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Editorial

O papel do Brasil na comunidade internacional

 | Tereze Neuberger
(Foto: Tereze Neuberger)

Como a comunidade internacional enxerga hoje o Brasil? Alguém haverá de dizer que o grande impulso para a inserção global brasileira veio com o ex-presidente Lula; ele rodou o planeta em viagens, foi recebido com honras nos principais fóruns internacionais, foi chamado de “o cara” por Barack Obama. Mas os salamaleques e o encantamento com o “presidente-operário” escondem uma dura verdade: a diplomacia brasileira sob o PT foi uma inversão de tudo aquilo que havia conferido relevância internacional ao Brasil neste campo, desde os tempos do Barão do Rio Branco, de Rui Barbosa e de Oswaldo Aranha. O petismo entregou um Brasil extremamente fechado comercialmente – dos membros do G20, é o que tem mais restrições ao comércio exterior – e, na diplomacia, fez várias escolhas equivocadas, como a conivência (quando não o apoio aberto) com ditaduras latino-americanas, africanas e do Oriente Médio, enquanto peitava democracias do mundo desenvolvido. A máquina de propaganda petista chamava essa postura de “diplomacia ativa e altiva”, mas a realidade era outra, como bem demonstra a classificação de “anão diplomático” dada ao Brasil por Israel – um exagero, evidentemente, mas que mostrava como uma diplomacia movida unicamente pela ideologia estava prejudicando o país.

Uma inserção internacional de peso é um dos objetivos que o próximo governo tem de perseguir, e para isso os esforços da equipe econômica e diplomática serão fundamentais. Da abertura econômica já se falou extensivamente, e os benefícios de uma participação maior no comércio exterior já estão amplamente documentados – relatórios recentes do Banco Mundial e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico estimaram o impacto benéfico de uma abertura comercial no Brasil: 6 milhões de pessoas tiradas da pobreza, e quase um ponto porcentual a mais de crescimento no Produto Interno Bruto. No outro front, o diplomático, o Brasil tem tudo para deixar para trás os tempos de “nanismo” se encarar o sistema multilateral com um afã de reforma, e não com impulsos de isolamento.

Restaurar as finalidades originais do sistema multilateral exige uma diplomacia corajosa e firme

O descontentamento de muitos brasileiros que acompanham a política internacional em relação ao sistema multilateral tem seus motivos. A Organização das Nações Unidas e suas agências, que deveriam priorizar a cooperação entre as nações, a manutenção da paz e o combate à pobreza, foram transformadas na ponta de lança de um esforço de engenharia social que busca solapar a soberania dos países em diversos temas, especialmente os ligados à “saúde sexual e reprodutiva”, eufemismo para a defesa do aborto e políticas contraceptivas, e, mais recentemente, nas questões ligadas à ideologia de gênero.

Os “direitos reprodutivos” entraram na pauta do sistema da ONU desde a década de 70; e as conferências do Cairo, em 1994, e de Pequim, em 1995, deixaram claro que o tema vinha para ficar. A Organização Mundial de Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Conselho de Direitos Humanos têm sido as instâncias mais atuantes da ONU neste esforço de “criar” direitos contrários à dignidade humana e, depois, forçá-los sobre os Estados-membros, negando, na prática, a soberania nacional. Tudo isso com apoio financeiro de fundações internacionais como a Ford e a Guttmacher, que bancam desde o lobby puro e simples até a construção de um arcabouço acadêmico que justifique a implantação de medidas como a legalização do aborto.

O que um país como o Brasil deve fazer diante de um quadro desses? Há quem diga que deveríamos deixar esses fóruns internacionais e escapar das tentativas de influência dos engenheiros sociais encastelados no sistema da ONU. A outra opção, mais trabalhosa, mas também a melhor para o mundo, é lutar dentro do sistema para que esses organismos multilaterais abandonem essas pautas e passem a se dedicar às verdadeiras prioridades globais. As experiências tanto do Cairo e de Pequim quanto as mais recentes mostram que há diversas nações insatisfeitas com as tentativas de atacar sua soberania em temas que são caros às respectivas sociedades. O Brasil pode e deve assumir a liderança neste processo; a omissão significará, inclusive, deixar países menores, que nem sempre têm condições de resistir ao assédio que vem do sistema multilateral, abandonados à própria sorte.

O principal objetivo do sistema multilateral, especialmente a ONU e as entidades que dela fazem parte, é, como afirmamos, o estímulo à cooperação mútua entre os países, o esforço para evitar conflitos e o combate sem tréguas à pobreza, não a imposição de um suposto “direito” ao aborto, nem a promoção da ideologia de gênero, nem outras plataformas comportamentais que violam a dignidade humana e a soberania nacional. O Brasil tem de ser uma das principais vozes a deixar isso muito claro, mas não terá nenhuma autoridade moral para fazê-lo se optar por ficar de fora – como, por exemplo, acabou de fazer o Reino Unido em relação à União Europeia. Diante do desvirtuamento da UE, transformada em um órgão hiper-regulador muito distante do projeto original de seus fundadores, os britânicos optaram por deixar o bloco em vez de ajudar a corrigir seus rumos.

Restaurar as finalidades originais do sistema multilateral atual, criado no pós-Segunda Guerra Mundial, exige uma diplomacia corajosa e firme que o Brasil tem condições de exercer. O país tem a chance de posicionar-se do lado certo, em defesa da democracia, da dignidade humana, da vida em todos os seus momentos, de uma cooperação internacional que respeite a soberania nacional. Se levar adiante esses princípios dentro da ONU, certamente conquistará uma liderança moral de dimensões globais.

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