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O governo Bolsonaro pôde alegar em 2019 que uma de suas principais conquistas foi o acordo econômico entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Entretanto, passado um ano, o acordo continua parado na fase de revisão jurídica e ratificação pelo Congresso de cada país.
As queimadas na Amazônia e os indícios de que o desmatamento na região aumentaram nos últimos anos fizeram com que Bolsonaro enfrentasse severas críticas por sua agenda ambiental. Tanto é que em setembro deste ano o presidente brasileiro gastou boa parte do seu tempo em seu discurso na ONU para se defender das acusações de que o país não estava respondendo adequadamente às questões ambientais.
No começo de dezembro, o embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ybáñez, afirmou que os diversos parlamentos dos países envolvidos só aprovarão o acordo quando o país apresentar dados concretos da redução do desmatamento.
Em números, o que Ybáñez quer dizer é que o Brasil precisa comprovar que os índices de desmatamento regrediram às tendências observadas antes de 2018. Atualmente, os dados levantados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontam para um aumento de 9,5% em um ano, ou 11.088 km², contra 10.129 km² do ano anterior. Uma tendência de alta que acendeu o alerta da comunidade europeia.
Em contrapartida, o governo brasileiro começa a mostrar os dados da Força-Tarefa em Defesa da Amazônia, criada em setembro de 2019 como resposta ao aumento do desmatamento. Desde o ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou 114 ações civis públicas e cobrou mais de R$ 2,6 bilhões de infratores ambientais. Os processos são movidos contra cerca de 230 acusados pela devastação de 135 mil hectares da Amazônia Legal. As ações foram responsáveis pelo bloqueio de bens e valores de mais de R$ 776 milhões de grandes desmatadores.
Além disso, não se pode esquecer que o acordo é bastante complexo e envolve, no total, 31 países. Entre esses países, a França tem pelo menos um motivo bastante sério para não querer levar o acordo adiante: os agricultores de seu país temem que não terão condições de concorrer com os custos mais baixos da América do Sul no setor.
O Brasil precisa, portanto, demonstrar que está efetivamente contendo o desmatamento. E apresentar isso com uma linguagem que leve em conta os fatores que estão em jogo, evitando rusgas completamente desnecessárias como as que Bolsonaro teve com o presidente francês Emmanuel Macron no ano passado.
Se o governo brasileiro agir tendo em mente que esta é uma oportunidade única de acordo entre povos, cujo benefício se estenderá para muito além de quem está no comando atualmente, há plenas condições de que esse acordo intercontinental seja concluído ainda em 2021.
Ybáñez indica que há interesse para selar definitivamente o acordo, mas que é preciso “recriar as condições de confiança”.
Nessa esteira, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo disse em meados de dezembro, em encontro com os ministros de Relações Exteriores do Mercosul que “fechar de uma vez por todas” o texto do acordo com a UE é uma prioridade para 2021. E afirmou que o Brasil vai cumprir com os compromissos assumidos no Acordo de Paris, que prevê a redução da emissão de gases do efeito estufa.
Outro fator que pode beneficiar as partes é que, na semana passada, finalmente foi firmado um acordo para a saída do Reino Unido da UE, mostrando, entre outras coisas, que há caminhos para superar as dificuldades políticas, desde que haja sinergia das partes envolvidas e vontade de negociação.
A diminuição da turbulência interna gerada pelo Brexit pode ser a oportunidade que os países do Mercosul estavam precisando para que o acordo com a União Europeia seja celebrado efetivamente no próximo ano. Afinal, um novo acordo econômico que dê condições para maiores investimentos estrangeiros na América Latina e impulsione a nossa combalida economia pós-pandemia será um alento para o Brasil após um ano tão conturbado.