O presidente da República, Jair Bolsonaro, acompanhado de ministros de Estado em coletiva sobre o coronavírus.| Foto: Carolina Antunes/Presidência da República
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“Nosso time está ganhado de goleada (...) Então, se o time está ganhando, vamos fazer justiça, vamos elogiar seu técnico, e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro”, afirmou o presidente da República em uma entrevista coletiva no dia 18 de março. Deixando de lado a controvérsia sobre o melhor esquema tático nessa disputa entre o Brasil e o coronavírus – afinal, não é apenas a equipe do presidente que está jogando; milhares de outros times, com governadores, prefeitos e líderes da sociedade civil à frente, também estão em campo –, a comparação futebolística de Bolsonaro vem muito a calhar, pois permite refletir sobre o papel do presidente da República, o “técnico”, na condução desta partida contra um adversário que ataca com força por todos os lados.

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Bolsonaro realmente montou um time formidável, e disso nunca houve dúvida. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em sua primeira oportunidade de assumir o protagonismo, vem se revelando um quadro excelente na condução das medidas sanitárias, no esforço para conter a pandemia e na iniciativa de manter a população informada. A equipe econômica capitaneada por Paulo Guedes já havia mostrado seu valor ao longo de 2019 e, quando a crise do coronavírus chegou ao Brasil com mais força, lançou uma série de medidas em 16 de março. Foi um bom começo, ainda que insuficiente, seja por uma compreensão errada a respeito do tamanho do estrago que a pandemia traria, seja por preocupações justas com a situação fiscal precária do país. Após a repercussão negativa que levou à revogação da MP 927 – que abriria a possibilidade de um empregador suspender contratos de trabalho zerando o salário dos empregados – , houve um silêncio de vários dias, felizmente quebrado nesta sexta-feira, com um pacote econômico envolvendo Banco Central, BNDES e Caixa Econômica Federal, cujo item principal é a oferta de dinheiro a pequenas e médias empresas para bancar a folha de pagamento, cobrando apenas a Selic e exigindo, em contrapartida, que não haja demissões.

O bom técnico reconhece e potencializa os talentos de seus atletas: não entra em campo e joga por eles, mas deixa-os jogar

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Mas não se pode resumir o time apenas aos ministérios da Saúde e Economia. O caos causado pelo coronavírus pede também a atuação de outros ministérios. É preciso, por exemplo, manter a ordem nas ruas esvaziadas pelas políticas de isolamento; garantir que o Brasil continue produzindo alimentos para evitar desabastecimento; e prover a infraestrutura não apenas para a distribuição desses alimentos, mas também para que os produtos e insumos necessários ao combate à Covid-19 cheguem a todo o país. Em todas essas posições Bolsonaro colocou pessoas capazes como Sergio Moro, Tereza Cristina e Tarcísio Freitas; embora eles não estejam sob os holofotes na crise do coronavírus, seu talento, já comprovado no primeiro ano de governo, gera confiança entre os brasileiros.

Que papel Bolsonaro tem na condução do time que escalou? O técnico dá um padrão de jogo à equipe de forma que ela siga sua filosofia e não trombe em campo, coordena e assume a responsabilidade em momentos críticos, resolve divergências internas e sabe mobilizar aliados. Mas, acima de tudo, o bom técnico reconhece e potencializa os talentos de seus atletas: não entra em campo e joga por eles, mas deixa-os jogar. Em alguns desses aspectos, Bolsonaro tem deixado muito a desejar.

A história do esporte está repleta de times formados por gente talentosa, mas que não rendeu o máximo porque técnicos de personalidade forte – mesmo quando inteligentes – insistiram em um esquema de jogo que não reconhecia ou não se adequava às qualidades dos atletas, se omitiram em momentos críticos, abriram mão da função de coordenadores, desprezaram a possibilidade de contar com reforços, ou não souberam adaptar seu esquema de acordo com o adversário. Com suas atitudes e suas palavras, Bolsonaro vem se assemelhando mais a esse tipo de treinador. Desde o início da pandemia, minimiza o perigo do coronavírus, chamando-o de “gripezinha” e classificando como “histeria” uma preocupação justa com a saúde das pessoas; no dia 15, desrespeitou os protocolos de segurança sanitária ao prestigiar uma manifestação às portas do Palácio do Planalto; e, mais recentemente, tumultuou o debate necessário e legítimo sobre a reabertura dos negócios. Não queremos aqui discutir se o isolamento vertical é ou não a melhor forma de minimizar o impacto geral do coronavírus; talvez Bolsonaro até esteja certo a esse respeito. Mas, com seu pronunciamento de terça-feira passada e o lançamento de uma campanha (agora suspensa pela Justiça) chamada “O Brasil não pode parar”, antagonizando governadores que discordam dessa abordagem, o presidente transformou o que deveria ser uma discussão profunda em questão de mera paixão política, quando poderia ter reforçado uma aliança contra o adversário comum.

O momento não pede um “técnico-estrela”, mas um técnico com sensibilidade, que organize seus comandados de modo que usem todo o seu talento pelo objetivo comum e saiba valorizar a avaliação de quem está dentro de campo. Não se trata de permanecer ao largo, indiferente ou inativo, mas de saber que não se ganha uma partida decisiva de cabeça quente. Bem sabemos que nem a atitude mais discreta, nem o papel de coordenador combinam com o temperamento de Bolsonaro, mas é do que precisamos agora: de alguém com a humildade de reconhecer a dificuldade da partida, estar aberto a contribuições vindas de fora do time e deixar que os seus escolhidos façam aquilo para o que foram escalados – nomeando um bom capitão, se preciso for. É só com a partida encerrada e a vitória conquistada que o treinador pode reivindicar reconhecimento, e ainda estamos nos minutos iniciais da disputa.