As provocações definitivamente deram lugar à busca por cooperação. Durante a campanha eleitoral argentina, no ano passado, o esquerdista Alberto Fernández chamou Jair Bolsonaro de “racista”, “misógino” e “violento”. Após o resultado da eleição, o argentino posou para fotos com o gesto de “Lula livre” e comemorou a libertação do ex-presidente brasileiro condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. No discurso de posse, Fernández já adotou um discurso mais conciliador. Agora, durante a visita do chanceler Felipe Solá a Brasília, os argentinos pediram a ajuda do Brasil para renegociar a dívida argentina com o Fundo Monetário Internacional e afirmaram que não devem atrapalhar as negociações do Mercosul com outras nações em busca do livre comércio. Bolsonaro respondeu sugerindo um encontro com o colega argentino por ocasião da posse do uruguaio Luís Lacalle Pou, no início de março.
Completamente afundada na crise criada pelas políticas econômicas de Cristina Kirchner, e que Maurício Macri não soube enfrentar com firmeza, a Argentina não tem mais margem para as bravatas e o protecionismo que caracterizaram o período kirchnerista. A então presidente (e hoje vice de Fernández) infernizou o quanto pôde a vida dos importadores argentinos e até mesmo dos cidadãos interessados em comprar dólares como investimento ou para viagens ao exterior. Seu protecionismo travou o Mercosul e prejudicou até mesmo as exportações dos parceiros do bloco à Argentina.
A Argentina não tem mais margem para as bravatas e o protecionismo que caracterizaram o período kirchnerista
O novo presidente argentino parecia rumar no mesmo caminho. Em julho de 2019, durante a campanha, Fernández prometeu rever o acordo assinado pelo Mercosul com a União Europeia no mês anterior, e até alguns dias atrás articulava com o presidente francês, Emmanuel Macron – que, interessadíssimo em agradar os agricultores pesadamente subsidiados pelo governo francês, também é contrário ao texto, alegando questões ambientais brasileiras para esconder suas reais motivações. No entanto, segundo Bolsonaro, Solá disse que a Argentina trabalhará pela aprovação do acordo. O chanceler ainda afirmou que seu país não quer ser um “entrave” às negociações de livre comércio que o Mercosul realiza atualmente.
Entre cerrar fileiras com Macron em nome da ideologia e manter a política de boa vizinhança com o maior parceiro econômico da Argentina, Fernández parece se inclinar para o pragmatismo. Em 2017, mais de um quarto do que os argentinos importam veio do Brasil, que por sua vez comprou 16% das exportações argentinas. Até mesmo em temas que não dizem respeito à economia, o governo argentino agora diz estar disposto a não atrapalhar. É o caso da relação com a Venezuela. Recentemente, a Argentina se absteve de condenar o golpe parlamentar de Nicolás Maduro, que tentou tirar de Juan Guaidó o comando do Legislativo venezuelano; no entanto, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou, após reunião com Solá, que os argentinos estarão na próxima reunião do Grupo de Lima e devem se alinhar com a posição da maioria dos demais membros, de condenação à ditadura bolivariana.
Tantas boas intenções, é claro, precisam se transformar em realidade, e o governo brasileiro não estaria errado se resolvesse esperar por alguma ação concreta da Casa Rosada antes de endossar os pleitos argentinos de renegociação da dívida de US$ 100 bilhões (US$ 44 bilhões apenas com o FMI). Uma Argentina recuperada também interessa ao Brasil, mas os vizinhos não podem usar o apoio brasileiro como escada para sair do buraco e, então, se julgarem capazes de retomar as piores práticas econômicas do kirchnerismo que arruinou o país e prejudicou o Mercosul.