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Editorial

O perigo da dívida e dos déficits crônicos

Cédulas de dólar sendo impressas no Bureau of Engraving and Printing norte-americano. (Foto: Facebook/The Bureau of Engraving and Printing)

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No próximo ano, o mundo completará 80 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O suicídio de Hitler, em 30 de abril de 1945, é uma das datas simbólicas que marcam o fim daquela trágica guerra e coincidiu com o primeiro ano de funcionamento da grande reforma econômica resultante da Conferência de Bretton Woods, realizada em julho de 1944. Três ocorrências de alta relevância foram aprovadas e implantadas com a finalidade de reconstruir a infraestrutura dos países devastados pela guerra e promover o crescimento econômico e o desenvolvimento social das nações: 1. A criação do novo padrão monetário mundial pela introdução do padrão-dólar em substituição ao padrão-ouro; 2. a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), destinado a fornecer financiamentos para cobrir déficits nas contas externas dos países e promover a expansão do comércio internacional; e 3. a criação do Banco Mundial (composto de quatro instituições financeiras) para conceder empréstimos de longo prazo para investimentos públicos em áreas essenciais e eficazes ao crescimento econômico e combate à pobreza.

A grande depressão econômica ocorrida nos anos 1930, com toda a tragédia social que provocou, e os efeitos da guerra levaram à predominância das ideias e teorias de John Maynard Keynes, considerado por muitos o maior economista do século 20, que colocam o setor público como agente da reconstrução e motor da retomada do crescimento econômico. A descomunal queda do Produto Interno Bruto (PIB), o elevado desemprego, a volumosa perda de patrimônio derivada da crise do mercado de ações, a fome, as tragédias familiares e a desesperança foram o pano de fundo para a adoção das soluções propostas por Keynes.

Governos e políticos têm como lógica gastar cada vez mais e aumentar o grau de intervenção na economia. Após a Segunda Guerra Mundial, os governos do mundo nunca mais pararam de gastar e se tornaram cronicamente deficitários

Keynes tinha sólida formação em economia e experiência em finanças públicas adquirida no tempo em que trabalhou no Tesouro britânico, no qual ingressou em 1915 com a missão de preparar a equipe do país que participaria do Tratado de Versalles, destinado a definir as sanções à Alemanha após a derrota germânica na Primeira Guerra Mundial. Vendo o estrago derivado da guerra, que durou de 1914 a 1918, mais os efeitos negativos da grande depressão dos anos 1930, Keynes publicou sua obra magistral em 1936, sob o título de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, na qual ele apresentou uma sofisticada teoria para explicar o funcionamento do capitalismo e concluir que, em momentos de recessão, o Estado deve aumentar os gastos públicos, especialmente em obras de infraestrutura, para estimular a demanda agregada, gerar empregos e promover a recuperação.

As ideias de Keynes e sua proposta de elevação dos gastos públicos receberam pesadas críticas dos economistas que viam o governo como uma ameaça quando liberado para gastar acima das receitas tributárias. Os críticos argumentavam que, uma vez feitos gastos elevados e contraídos déficits orçamentários, os governos acabariam adotando duas medidas nocivas no longo prazo: aumento de impostos e emissão de dinheiro, prática que resultaria inevitavelmente em inflação e empobrecimento da população. Keynes respondeu que, em face da recessão, o governo poderia gastar mais e pagar com emissões monetárias, sem aumentar tributos, pois o mundo estava vivendo sob deflação (queda de preços); logo, a emissão de dinheiro não provocaria aumento de preços.

Os críticos argumentavam que, ainda que os déficits orçamentários promovessem a recuperação da economia, se os governos continuassem com seus gastos e déficits, inevitavelmente a inflação se instalaria e causaria recessão, desemprego e empobrecimento. Keynes alegava que, após retomado o crescimento, o governo deveria reduzir os gastos, voltar ao equilíbrio orçamentário e eliminar o déficit. Ou seja, a teoria keynesiana previa aumento de gastos do governo sob a forma de programas de investimentos e pagos com emissão monetária, sem aumento de impostos, apenas enquanto durasse a recessão.

Keynes falhou em não entender a natureza humana, especialmente a natureza dos políticos e a lógica do poder, que é sempre crescente. Governos e políticos têm como lógica gastar cada vez mais e aumentar o grau de intervenção na economia. Os governos do mundo nunca mais pararam de gastar e se tornaram cronicamente deficitários em escala tão elevada que, mesmo aumentando sistematicamente a carga tributária, tiveram de recorrer ao aumento da dívida pública e emissão de dinheiro para cobrir seus rombos.

No caso brasileiro, a carga tributária era de 21% do PIB quando dos trabalhos da Assembleia Constituinte que culminou com aprovação da nova Constituição Federal, em outubro de 1988. No ano seguinte, em 1989, foi feita uma reforma tributária e, desde então, a carga tributária vem crescendo sistematicamente, estando hoje em 34% em valores efetivamente ingressados nos cofres públicos. Mesmo com essa elevação da carga tributária, os déficits públicos continuaram aumentando, de forma que o setor estatal seguiu se endividando em tal grau que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – o que inclui os estados e municípios – entrou o ano de 2024 equivalendo a 74% do PIB anual. Em resumo, a soma de alta carga tributária, déficits crônicos e alta dívida pública constitui um grave perigo, tanto que o Banco Central vem manifestando preocupação com a trajetória da economia brasileira. Se essa tendência persistir, o Brasil pode vir novamente a colher baixo crescimento econômico, recessão e inflação. Eis aí um problema que merece atenção e vigilância da sociedade sobre as autoridades responsáveis pela gestão macroeconômica do país.

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