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Editorial

O perigo dos déficits gêmeos

Um dos piores resultados econômicos de 2014 praticamente confirmado é o déficit público nominal (a diferença entre a arrecadação tributária e os gastos públicos totais, após o pagamento dos juros da dívida pública). Esse déficit pode chegar a 3,7% do PIB, porcentagem considerada extremamente alta para a economia brasileira. O pagamento do déficit será feito pelo aumento da dívida do governo, com a consequência de aumentar o desembolso com os juros da dívida nos anos seguintes, pois a outra forma de financiar o déficit seria pelo aumento dos tributos, saída não admitida em face da alta carga tributária atual.

Outra consequência negativa para a economia, quando o governo aumenta o volume de empréstimos tomados nos bancos, é a redução dos recursos disponíveis para empréstimos ao setor privado. Eventual expansão monetária (emissão de dinheiro) para aumentar os fundos disponíveis, expediente que o Brasil utilizou fartamente no passado, é receita certa para um mal maior: a inflação, que é o pior dos impostos, principalmente contra as camadas mais pobres da população.

A gastança desenfreada do governo (municípios, estados e União), sobretudo nos últimos quatro anos, responde pela piora das contas públicas, culminando com o superávit primário ter chegado a zero (receitas menos despesas, antes do pagamento dos juros da dívida). O superávit primário ideal planejado pelo governo vinha girando em torno de 3% do PIB. Sua redução em alguns pontos porcentuais, fixando-se em 2,5%, como chegou a propor o ministro Guido Mantega, não seria uma tragédia para o país. Mas a redução que o trouxe para zero é um problema grave, pois significa que o setor público, além de não amortizar nem um centavo da dívida, não conseguirá cobrir nada da conta de juros.

Ainda que o financiamento do aumento da dívida governamental seja normal pelo mercado (pessoas e empresas), o país verá a relação entre a dívida estatal e o PIB crescer de forma perigosa. A carga tributária atingiu seu máximo, e a única saída para aumentar as receitas do governo é pelo aumento do PIB. Mas, no governo Dilma, o crescimento médio do PIB ficará abaixo de 2%, menor que o PIB médio dos governos Lula e FHC (alguns analistas afirmam que a média de Dilma pode ser de 1,7%, considerando que, em 2014, o PIB aumentará pífios 0,3%).

Se o déficit público já está na categoria de um grande problema a ser enfrentado pelo próximo presidente da República, a situação torna-se mais grave ao somar-se o déficit externo em transações correntes (saldo da balança comercial mais a balança de serviços). A previsão é de que, em 2014, o déficit externo supere US$ 80 bilhões, mas o Brasil ainda está em situação confortável em termos de reservas internacionais, em razão do bom resultado colhido pela situação externa favorável de 2002 a 2010, período em que o consumo da China elevou os preços das commodities que o Brasil exporta.

Apesar da boa situação atual das reservas, eventual continuação do mau desempenho da balança comercial e da balança de serviços contribuirá para corroer as reservas. Esse panorama imporá ao próximo governo a necessidade de fazer ajustes, pois trata-se de um problema real e grave, apesar de a campanha eleitoral passar a impressão de que o governante pode fazer o ajuste ou optar por não fazê-lo. O equilíbrio das contas públicas e a melhoria das contas externas são uma necessidade. Se o país não conseguir tais objetivos, o preço poderá ser duro, geralmente em forma de recessão, inflação e desemprego.

Criou-se, no Brasil, a ideia de que o país achou uma lâmpada milagrosa capaz de lhe permitir fazer tudo de forma diferente do que fazem os melhores países do mundo quando estão diante de crise fiscal e crise externa. A facilidade com que se elevam gastos públicos e se concedem aumentos salariais ao funcionalismo dos três poderes é incompatível com a saúde das contas públicas e com a necessidade de elevar outros gastos, como, por exemplo, os investimentos em ampliação e recuperação da infraestrutura física. As tentativas de inventar políticas econômicas específicas para o Brasil, mesmo diante de problemas iguais aos do mundo, invariavelmente desabam em redução do crescimento econômico, diminuição da capacidade competitiva e atraso na superação da pobreza.

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