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Editorial

O PIB para além do 1,1%

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Brasília - DF, 20/02/2020) Lançamento do Crédito Imobiliário com Taxa Fixa.
Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

O ano de 2019 começou cheio de expectativas. Com a posse de Jair Bolsonaro e da equipe econômica liderada por Paulo Guedes, finalmente a pauta liberal teria chance na economia, dando o protagonismo merecido ao setor privado e realizando as reformas de ajuste fiscal e redução do tamanho do Estado. Imaginava-se que o PIB podia voltar a crescer de forma mais robusta, depois do 1,3% de 2017 e 2018 – os agentes do mercado financeiro falavam em algo na casa dos 2,5%, de acordo com os primeiros boletins Focus do ano passado.

No entanto, o choque de realidade não demorou a vir. As privatizações ocorreram em um ritmo bem mais lento, em parte porque só em junho o Supremo Tribunal Federal resolveu – de forma nada satisfatória, diga-se de passagem – uma controvérsia sobre a necessidade de aval do Congresso para as vendas de estatais; mesmo assim, o governo conseguiu superar a meta estabelecida para o ano. Das grandes reformas, apenas a da Previdência seguiu adiante, por escolha estratégica do Planalto, e a batalha levou quase o ano todo. A indecisão a respeito da aprovação e da amplitude das mudanças inibiu o investimento, apesar de bem-vindas ações do governo, como a Lei da Liberdade Econômica, e da queda nos juros, que estão no patamar mais baixo desde a adoção do regime de metas de inflação, no fim dos anos 90.

Se o desempenho de 2019 ficou abaixo do desejado, isso ocorreu apesar da pauta liberalizante e reformista, e não por causa dela; é preciso manter o curso

Tudo isso jogou para baixo as previsões para o PIB em 2019. Em novembro, o mercado já trabalhava com a possibilidade de que o crescimento não passasse de 1%. Só no fim do ano identificou-se um movimento de retomada que “ganhou tração”, para usar as palavras do comunicado do Copom após sua reunião de meados de dezembro. Por isso, se o dado divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE, de crescimento de 1,1%, é decepcionante quando comparado com os dois anos anteriores e com a expectativa que havia no início de 2019, ele esconde alguns aspectos que permitem alguma dose de otimismo.

De acordo com as informações do Ministério da Economia, foi o primeiro semestre que freou o PIB, com episódios como a tragédia de Brumadinho e os reflexos do aprofundamento da crise argentina. Já o segundo semestre, com crescimento anualizado de 2,3%, foi o melhor desde 2013, antes que a herança maldita do lulopetismo ficasse escancarada por meio da pior recessão da história do país. A geração de empregos no segundo semestre também engatou cinco meses consecutivos de saldo positivo, com a exceção de dezembro, que tradicionalmente registra mais demissões que contratações.

O governo também alegou que os dados do PIB pelo lado da demanda mostram que o crescimento foi puxado pelo setor privado, e não pelos gastos públicos. As despesas do governo caíram 0,4% em 2019, enquanto o consumo das famílias aumentou 1,8% e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), termo que designa os investimentos produtivos, subiu 2,2%. Esse protagonismo maior do setor privado é bem-vindo, repetindo uma tendência que já vinha de anos anteriores, mas também há motivos de preocupação quanto aos investimentos, pois a FBCF do quarto trimestre do ano passado foi 3,3% menor que entre julho e setembro. Além disso, o dado consolidado de 2019, apesar de positivo, foi inferior ao de 2018, quando a FBCF cresceu 3,9%.

Por isso, mesmo o otimismo exige certa cautela. A intenção de investimentos para 2020 continua alta, segundo as pesquisas da Confederação Nacional da Indústria, mas para que ela se concretize ainda há reformas a fazer no sentido de trazer mais segurança jurídica. A reforma tributária, por exemplo, trará uma simplificação há muito tempo necessária, mas cada setor será impactado de forma diferente – dependendo da proposta aprovada, alguns deles passarão a pagar mais impostos, alegam grupos de empresários. O governo precisa demonstrar maior assertividade, deixando claras quais as suas ideias para a reforma tributária e a administrativa, e o Congresso precisa mostrar que realmente está disposto a levar adiante a pauta reformista sem usá-la como pretexto para arrancar concessões do Planalto.

Antes da virada do ano, falava-se em crescimento de até 2,5% em 2020, mas a epidemia de coronavírus tirou a validade de qualquer prognóstico, pois, com o avanço da doença ainda em curso, não é possível estimar com precisão o tamanho do estrago que o Covid-19 fará na economia global. Independentemente disso, cabe a governo e Congresso trabalharem focados nos meios de promover o ajuste dos gastos públicos, a geração de emprego e renda, a retomada dos investimentos e a consolidação de um ambiente de liberdade econômica. Se o desempenho de 2019 ficou abaixo do desejado, isso ocorreu apesar da pauta liberalizante e reformista, e não por causa dela; é preciso manter o curso e resistir à tentação de estímulos heterodoxos que estiveram na raiz da enorme crise que levou à nossa segunda “década perdida” em 40 anos.

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