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Editorial

O populismo econômico e as eleições

Supermercado em Buenos Aires: em cem anos, inflação média no país foi de 105% ao ano. (Foto: EFE/Juan Ignacio Roncoroni)

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Em abril de 2019, a Gazeta do Povo publicou um editorial sobre os males do populismo econômico, cujo teor é atual e válido para esclarecer e contribuir com o discernimento da população diante de promessas demagógicas, que são a marca das campanhas eleitorais. Dada a fundamentação de como a demagogia funciona e o comprovado malefício do populismo político e administrativo – num efeito totalmente inverso ao que promete –, é útil que esse assunto seja trazido à discussão novamente, pois, como sempre acontece, as eleições federais e estaduais de outubro serão palco para a demagogia, populismo e promessas inviáveis.

Nos países pobres, onde as camadas pobres suplicam por melhorias e políticas sociais a seu favor, os candidatos tendem a usar o recurso das soluções simplistas e milagrosas embutidas em suas promessas populistas com a finalidade exclusiva de conquistar votos, mesmo quando eles próprios sabem que suas promessas não solucionam os problemas nem serão viáveis em sua administração, caso cheguem ao poder. Vale notar que, apesar de descumprirem com regularidade suas promessas, os demagogos vêm sendo reeleitos sistematicamente, razão por que o populismo não sai de moda nem os populistas são punidos por não cumprirem o que prometem.

O economista Nicolás Cachanosky, professor na Metropolitan State University, em Denver (EUA), escreveu um ensaio em 2016 sobre o que ele chamou de “as quatro etapas do populismo econômico”, e tratou do percurso que o populismo percorre desde a indignação com a pobreza até as más consequências das soluções adotadas. Essas soluções sempre vêm com a aparência de solidariedade aos pobres e de caráter humanitário, para depois se revelarem desastrosas até mesmo para os pobres. Tomando dados da realidade e estudos antes feitos por outros economistas, Cachanosky concluiu que os programas populistas em geral contêm forte intervenção do Estado na economia, incentivo desordenado ao consumo, descaso com os investimentos de longo prazo, excesso de gastos, imprudência fiscal, déficits públicos e endividamento governamental.

Apesar de descumprirem com regularidade suas promessas, os demagogos vêm sendo reeleitos sistematicamente, razão por que o populismo não sai de moda nem os populistas são punidos por não cumprirem o que prometem

As receitas populistas sempre trazem alguns elementos comuns, como a proposta de dar dinheiro, assistência social, mercadorias e outras ajudas aos pobres – tal ajuda não é errada em si mesma; programas de transferência de renda são defendidos e propostos por economistas liberais como Milton Friedman; o problema está em defender o auxílio sob o argumento de que isso é mais importante que a preocupação com déficit das contas públicas. Cachanosky afirma que as experiências têm demonstrado que o populismo é insustentável no longo prazo e percorre quatro estágios desde sua implantação até chegar ao fracasso final, citando os exemplos de Argentina, Venezuela, Brasil e outros. A expressão “os quatro estágios universais inerentes ao populismo” já havia constado de um artigo intitulado Macroeconomic Populism, publicado no ano de 1990 por dois renomados economistas, Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards, no qual eles explicam o trajeto das políticas populistas até o resultado final, em geral oposto ao pretendido.

Entre outras características, o populismo tem como essência a promessa de soluções simples para problemas complexos e a tentativa de fazer o público acreditar que tais soluções somente não foram implantadas por incompetência ou insensibilidade dos adversários políticos e dos governos anteriores. Também faz parte do discurso populista afirmar que o governo pode tudo e a solução depende apenas de vontade política para aplicar os remédios que ele propõe. Candidatos populistas e demagogos, como não poderia ser diferente, se apresentam como os salvadores da pátria e os únicos capazes de resolver os problemas. Os quatro estágios do populismo são os que seguem.

No primeiro estágio, o populista destaca o que vai mal na economia e na vida dos eleitores; diz que, se eleito, criará programas assistencialistas e paternalistas que, em geral, atacam os sintomas dos males sociais em foco, porém sem eliminar as causas de tais males. O resultado é sempre uma sequência previsível: aumento dos gastos, inchaço da máquina estatal, medidas conducentes ao consumo insustentável, terminando por estourar as contas do governo e dificuldade de continuar a prática populista. Nos momentos iniciais das medidas populistas, pode parecer que a coisa vai funcionar, mas não dura muito até que a frustração chegue. Esse tipo de situação já ocorreu várias vezes nos países latino-americanos e, neste momento, está se repetindo em alguns deles.

Uma prática comum a todo governo demagogo e populista é o congelamento de preços dos produtos ofertados por empresas estatais, como é o caso da energia, combustíveis e transporte público. No Brasil, esse figurino já esteve presente em vários governos, a exemplo de José Sarney (1985-1990) e praticamente todos os governos que lhe seguiram, com algumas exceções curtas. O caso mais barulhento e desastroso em tempos recentes foi o congelamento de preços de energia e combustíveis pelo governo Dilma Rousseff, que teve entre seus efeitos a quase destruição da Petrobras e a fragilização de outras empresas estatais.

O segundo estágio ocorre uma vez passada a euforia inicial da primeira fase. O exemplo lapidar na história recente brasileira foi o Plano Cruzado, do governo Sarney, em 1986: as medidas radicais de congelamento de preços pareciam funcionar a princípio, mas em poucos meses terminaram em descalabro, com inflação, desorganização do sistema de preços, escassez de produtos, recessão, desemprego, explosão da dívida pública e desestímulo aos investimentos. Claro que o populista nunca assume seus erros e sempre procura bodes expiatórios nos empresários, especuladores, investidores financeiros, capitalistas e outros demônios inventados para não assumir a culpa de seus atos.

O estágio seguinte, o terceiro, é aquele em que a recessão, o desemprego, a inflação e as crises de abastecimento se apresentam de forma grave – aí está a Venezuela mostrando a inexorável sequência da demagogia e do populismo –, levando o mundo a desacreditar na capacidade do país em sair da crise. Na sequência, os investidores internacionais fogem, retiram seus capitais, os bancos estrangeiros negam novos financiamentos, o balanço com o resto do mundo entra em déficits, o preço do dólar explode e a fuga de capitais nacionais se torna corriqueira. Quando chega a esse ponto, o populista aplica doses maiores do veneno que criou a crise, aumenta impostos, empobrece o setor privado produtivo e a crise se torna estrutural. A Argentina, país que já foi desenvolvido e tinha tudo para ser uma das nações mais ricas do mundo, está aí como a prova dos estágios trágicos da demagogia e do populismo, apesar de a população continuar elegendo os populistas com singular rotina.

A dificuldade da população em rejeitar medidas populistas é que elas surgem embaladas em bonitas intenções, ainda que em seu conteúdo mais agravam o mal que pretendem combater

Por fim, no quarto e último estágio, em que o governo populista é tirado do poder (se for nação democrática), o novo governo tem de enfrentar as distorções e adotar medidas impopulares para tentar consertar a bagunça que, apesar de ter sido feita em nome da ajuda aos pobres, agora é o maior castigo justamente para os pobres. Na América Latina, é muito difícil o apoio a programas de ajuste capazes de colocar as nações no rumo do crescimento, pois os países pobres pedem urgência (com certa razão, dado o flagelo da pobreza) e não há paciência para esperar até que os planos produzam efeitos.

Nunca é demais recitar a principal regra da economia: um povo somente consome o que ele próprio produz; logo, os governos sucessores dos populistas não escapam de amargar impopularidade no período entre a recessão e a recuperação. No caso de recessões, há sempre um hiato entre as medidas para combatê-las e o início da retomada do crescimento econômico, período que é doloroso especialmente para os pobres e os desempregados. A dificuldade da população em rejeitar medidas populistas é que elas surgem embaladas em bonitas intenções, ainda que em seu conteúdo mais agravam o mal que pretendem combater. Entretanto, não se pode confundir medida populista com medidas sociais sérias e realistas, adequadas à realidade local, com potencial para resolver os dramas que os países pobres enfrentam. Uma das razões é que rigorosamente toda política econômica ou social mexe com interesses, e os grupos de interesses são mais organizados e com maior poder de desestabilização do governo do que a grande massa anônima de pobres. Aí está o desafio.

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