O ministro Guido Mantega, com o apoio da presidente Dilma, mostrou que é capaz de abandonar a verdade dos números e falsear a contabilidade do governo

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A semana passada terminou com os mercados nacionais em alvoroço, culminando com a agência de risco Standard & Poor’s (S&P) anunciando que havia colocado a nota do Brasil em perspectiva negativa. Isso significa que a nota do país em relação à classificação de risco poderia ser rebaixada, conforme foi publicado no site da agência na quinta-feira, dia 6. Tal classificação é conhecida como rating e, quanto maior ela for, mais atrativo o país fica para investimentos estrangeiros; o eventual rebaixamento equivale a dizer que o país ficou mais perigoso e menos atraente.

A classificação do Brasil está no nível BBB e significa que o país tem capacidade para o cumprimento de compromissos financeiros, mas está submetido a condições econômicas problemáticas. A nota BBB representa o segundo degrau na escala considerada "grau de investimento" – que não é nota ruim, pois é atribuída a países considerados, pelas agências, como sendo seguros para investimentos.

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Se as condições econômicas do país são tidas como seguras, cabe questionar as razões para a S&P ter ameaçado reabaixar a nota. Há pelo menos quatro razões alegadas para o problema. A primeira é o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado (que ficou em 0,9%) e a ausência de sinais de recuperação, como bem mostram os dados de crescimento dos primeiros meses de 2013. A segunda está na elevação da inflação (6,5% no acumulado dos últimos 12 meses), com destaque para a inflação de alimentos, que foi maior que o dobro do IPCA anual. A terceira razão vem do anúncio do governo de que o superávit primário será bem inferior ao patamar de 3,5% do PIB, que vinha sendo uma espécie de meta histórica.

Essas três razões bastariam para criar preocupação suficientemente alta para justificar algum alerta das agências de risco. Mas entrou em cena uma quarta razão, obra de comportamento reprovável do governo: a manipulação contábil patrocinada pelo ministro Guido Mantega nas contas públicas. Ao jogar com as contas do governo e excluir determinados gastos do cálculo do superávit primário, o ministro, com o apoio da presidente Dilma, mostrou que é capaz de abandonar a verdade dos números e falsear a contabilidade do governo. Esse tipo de atitude tira a credibilidade das estatísticas financeiras publicadas pelo governo e produz ambiente de desconfiança nas autoridades econômicas.

Ao manipular a contabilidade e os números para literalmente mentir sobre o desempenho das contas públicas, o governo rompeu com um histórico de, mesmo diante de problemas, jogar de forma limpa e mostrar a verdade dos fatos. O Brasil há muito tempo goza da confiança dos agentes econômicos em relação aos números de sua economia; por isso, a manipulação dos dados causou surpresa e decepção no mercado, colocando em dúvida até mesmo as informações corretas. É lamentável que as autoridades – entre elas o ministro da Fazenda e a presidente da República – não tenham sido capazes de aprender com os erros e os prejuízos dos países que adotaram esse tipo de comportamento errático e danoso.

Aí estão os exemplos da Argentina e da Venezuela, países cujas estatísticas não têm a menor confiança dos mercados e dos organismos internacionais, a ponto de a prestigiada revista The Economist ter anunciado que não mais publicaria estatísticas da Argentina por considerar que elas são mentirosas e manipuladas pelo governo. Essa questão não se limita à credibilidade das informações, mas causa enormes prejuízos ao afugentar os investidores estrangeiros e elevar a taxa de juros paga nos financiamentos internacionais contratados.

A duras penas, o Brasil vinha consolidando a confiança internacional e a credibilidade de suas estatísticas, o que, ao lado do bom desempenho da economia desde 1994, permitiu atingir o "grau de investimento". Se não bastassem os maus indicadores de desempenho do PIB, da inflação e do superávit primário, o governo manipulou descaradamente a contabilidade pública e, assim, conseguiu piorar um quadro que vinha se deteriorando desde o fim de 2011.

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A presidente Dilma sentiu o baque e parece disposta a voltar à racionalidade econômica e parar com pirotecnias no campo da política econômica e da gestão financeira do governo. Tomara que isso se confirme.