Possuidor de um dos mais ricos patrimônios da flora e da fauna do planeta, que hoje estão concentrados na Amazônia, no Nordeste e no Pantanal, o Brasil é uma das maiores vítimas da biopirataria internacional. Esse fenômeno criminoso não é recente, mas cresceu de forma assustadora nas últimas quatro décadas, principalmente diante da necessidade da indústria farmacêutica de buscar respostas efetivas para os males e doenças do mundo moderno. Assim, a matéria-prima da Flo­­resta Amazônica e de outras regiões de gran­­de biodiversidade – plantas e animais – virou ouro para este disputado mercado, responsável pelo faturamento de bilhões de dólares todos os anos.

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A biopirataria é a exploração, manipulação, exportação e comercialização internacional, de forma ilegal, de recursos biológicos de um de­­terminado país ou região. Esse tipo de pirataria moderna, que vem erodindo o patrimônio na­­tural de muitas nações com o mesmo potencial biológico do Brasil, foi tipificada em um conjunto de normas conhecidas como Con­­­­venção sobre Diversidade Biológica (CBD), em 1992, no Rio de Janeiro (durante a Eco-92). Assi­­nada por 175 países e ratificada por 168 em 1998, esta convenção propõe regras claras pa­­ra assegurar a conservação da biodiversida­­de; o seu uso sustentável; e a justa repartição dos benefícios provenientes da utilização econômica dos recursos genéticos, respeitada a soberania de cada nação sobre o patrimônio existente em seu território.

Essa convenção não barrou os crimes, mas está servindo de anteparo para combatê-los a longo prazo. No caso do Brasil é difícil precisar os números, mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) calculou recentemente que o país perde cerca de US$ 600 milhões por ano com o tráfico de animais e espécies de plantas. Mais de 12 milhões de animais, por exemplo, são tirados do país, agravando o risco de extinção de dezenas de es­­pécimes. A venda clandestina de espécies venenosas de aranhas e de serpentes, das quais são extraídos princípios ativos que resultam no surgimento de novas gerações de medicamentos, é outro caso escandaloso. Na parte da flora, são 20 mil extratos que saem do país anualmente.

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A forma e a rota do tráfico já são muito co­­nhecidas das autoridades brasileiras: contrabandistas disfarçados de turistas ou bem-intencionados cientistas se apropriam das informações sobre a fauna e flora nas comunidades lo­­cais. No caso de animais silvestres, a internet é o principal canal do tráfico. A pena para os traficantes é de seis meses a um ano de prisão, além de multas de até R$ 5,5 mil por exemplar apreendido. De cada dez animais traficados, nove morrem antes de chegar ao seu destino final.

Há dois exemplos marcantes de plantas populares brasileiras que foram patenteadas por grandes empresas no exterior. A copaíba (Copaifera sp), árvore da região amazônica, teve sua patente registrada pela empresa francesa Technico-flor, em 1993, e no ano seguinte na Organização Mundial de Propriedade Inte­­lectual. A empresa norte-americana Aveda tam­­­­bém tem uma patente de copaíba, registra­­da em 1999. O óleo e o extrato de andiroba (Ca­­rapa guianensis), árvore de grande porte, muito comum nas várzeas da Amazônia, foram pa­­tenteados pela empresa francesa Yves Roches, no Japão, França, União Europeia e Estados Unidos, em 1999.

Há um outro caso, também muito conhecido de recurso natural que gerou lucros imensos para a indústria farmacêutica e nenhum centa­­vo para o país, que é o do anti-hipertensivo cap­­topril. O princípio ativo foi descoberto no ve­­neno da jararaca. O laboratório que patentou o princípio ativo ganha cerca de US$ 5 bilhões por ano com o medicamento. E, nós, brasileiros, te­­mos de pagar os royalties para usá-lo.

O país evoluiu muito no combate à biopirataria. Mas é preciso maior esforço das autoridades no sentido de prevenir e evitar esses crimes. O Brasil, como uma das nações que mais sofre com o problema, deveria assumir uma posição de protagonismo no debate mundial para garantir a participação dos países mais pobres nos dividendos da biodiversidade. Além da re­­pressão ao tráfico internacional, com o au­­men­­to dos contingentes das forças envolvidas no combate à biopirataria, é preciso levar informação às comunidades locais, para que a prevenção comece justamente nas bases do crime. Só com esse caldo de cultura é que o Brasil talvez consiga, um dia, dar a devida proteção a seu ex­­­­traordinário patrimônio natural.