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O aumento da violência – fenômeno que monopoliza a sociedade desde a virada do século 20 para o 21 – tem modificado o olhar da população para um espaço mítico, a praça. Na cultura greco-romana, a ágora, sabe-se, era o palco da democracia, um lugar da palavra, da justiça e da verdade. Não é exagero dizer que pelo menos até a alvorada dos anos 60 se manteve essa aura inicial, acrescida de uma outra: as praças se tornaram sobretudo espaços de sociabilidade, sentido certamente enriquecido pelas interferências urbanísticas do Barão Haussmann na Paris da Belle Époque.

O movimento de 68 alterou o sentido algo inocente da praça, agregando-lhe uma nova idéia, mais ameaçadora, a de trincheira de guerra. Um sentido trágico passou a pairar onde antes havia relva, arvoredo, bancos de madeira e famílias flanando. Como diz o encenador José Celso Martinez Corrêa – um sobrevivente das Barricadas de Paris e da Passeata dos Cem Mil – depois daqueles dias parece que o mundo começou a padecer de "ágorafobia".

As praças passaram a ser sinônimo de perigo, mudança de sentido que deu impulso ao pior dos mundos, previsto por Jane Jacobs em seu livro essencial, Morte e vida de grandes cidades: onde as pessoas não circulam mais impera a violência e o medo. Essa experiência reina sobretudo nas metrópoles. Em Curitiba não foi diferente.

Terra de quintais generosos – o que explica a supervalorização do espaço privado entre os moradores mais antigos –, a capital do estado experimentou, salvo o Passeio Público, tardiamente a instalação das grandes áreas coletivas. Somente a partir da década de 70, portanto no pós-68, surgiram os imensos parques e praças projetadas como territórios de sociabilidade. Parte da fama do município, inclusive, demanda daí. O modelo, contudo, foi se desmentindo aos poucos. Basta contar a quantidade de praças curitibanas convertidas em terminais de ônibus, o que os transformou em área utilitária e ponto de passagem dos mais pobres. De áreas de estar, logradouros sem convertem em zonas de trânsito. E por tabela, lugar dos que não têm para onde ir, como mendigos e desocupados. Entre o público e o privado, noves fora, ficou-se com o segundo.

Ora, esse raciocínio perverso parece ter sido aplicado às periferias – áreas das cidades que são pós-tudo: pós-cultura greco-romana, pós-Haussmann, pós-68. Não é raro encontrar grandes áreas sem praça ou parques, como que negando aos que moram longe o direito à sociabilidade. Ocorre que o impulso que conduz à praça se transfere para a escola – a quem passa a caber o papel de ágora. O restante, como indica Jacobs, vira território marginal. O exemplo mais clássico em Curitiba é o da Vila Trindade, mas é possível citar uma dezena de zonas demarcadas. São áreas onde não há grandes praças onde resistir.

O desfecho da era da "ágorafobia" – contudo – é muito melhor que seu enredo. Os moradores da cidade reivindicam a praça, a exemplo do que mostrou a reportagem da Gazeta do Povo do último domingo, na série Retratos de Curitiba. É assim na Vila São Pedro. É assim na Água Verde – onde uma praça bela, urbanizada e central experimentou três décadas de abandono até ser apropriada pelos moradores e pelos jovens de bairros vizinhos.

Que essa notícia quente não passe batida pelo morno pleito eleitoral de 2008.

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