Com praticamente todos os holofotes sobre o ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado por Lula para o Supremo Tribunal Federal, seu colega de sabatina, Paulo Gonet, escolhido para ser o novo procurador-geral da República, teve vida tranquila. Foi bem menos pressionado que Dino, passou pela CCJ com o voto de 23 senadores contra apenas 4, e no plenário foi aprovado por 65 a 11. Se Dino terá de esperar até o ano que vem para sentar-se na cadeira de ministro do Supremo, Gonet já foi empossado no cargo, no último dia 18.
O presidente Lula, como era de se esperar, não perdeu a oportunidade de reduzir a posse de Gonet a mais uma ocasião de promover sua mitomania, fazendo ataques velados à Operação Lava Jato ao falar em “acusações levianas”, dizer que “houve um momento em que aqui neste país as denúncias das manchetes de jornais falaram mais alto do que os autos dos processos”, e que “se criou na sociedade brasileira” o conceito de que “todo político é corrupto”. A verdade é que Lula jamais perdoará o Ministério Público Federal, que agora será comandado por Gonet, por ter, ao longo de anos de trabalho diligente e heroico, levantado o conjunto probatório robustíssimo que levou Lula à prisão em 2018.
O combate à corrupção foi parte do discurso do novo procurador-geral, que falou antes de Lula. “Não há respeito pleno da dignidade sem que também reconheçamos a responsabilidade de cada qual pelos atos que praticam ou que omitem”, disse Gonet, acrescentando que do MPF “espera-se que atuemos firmemente na cobrança dessas responsabilidades, na investigação dos fatos que importem falta a esses compromissos, em busca de punição e reparação justas” e manifestando sua “terminante rejeição à leviandade na gestão dos bens comuns de todos os cidadãos”.
A verdade é que Lula jamais perdoará o Ministério Público Federal, que agora será comandado por Gonet, por ter, ao longo de anos de trabalho diligente e heroico, levantado o conjunto probatório robustíssimo que levou Lula à prisão em 2018
Especialmente digna de menção, no entanto, foi outra parte do discurso. “Sabemos que não nos foi dado formular políticas públicas nem deliberar sobre a conformação social e política das relações entre cidadãos. Essas decisões essenciais estão reservadas ao povo, que se expressa pelos representantes eleitos para isso”, afirmou Gonet. O procurador-geral rechaça, assim, o modo de atuar da ala mais militante do Ministério Público, cujos membros abusam do cargo para impor como políticas públicas as próprias convicções, sem terem recebido voto popular para tal, inventando irregularidades onde elas não existem e até mesmo coagindo gestores a assinar termos de ajustamento de conduta.
Bem sabemos que pode existir uma enorme diferença entre o discurso e a prática. Em 2020, Luiz Fux tomou posse como presidente do STF criticando o hábito do tribunal de aceitar resolver disputas políticas que deveriam se dar no parlamento, e a corte não recuou um milímetro no ativismo judicial. Dois anos depois, Rosa Weber o sucedeu afirmando que “o Poder Judiciário não age de ofício”, defendendo que todos tenham assegurado “um núcleo essencial de direitos e garantias que não podem ser transgredidos nem ignorados” e dizendo que a corte tem o dever de “neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal e de nulificar os excessos do poder” –, mas sob seu comando a corte avançou ainda mais sobre as liberdades democráticas e, especialmente depois do 8 de janeiro, sobre o devido processo legal, diminuindo o MP neste processo. E Alexandre de Moraes assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral prometendo “intervenção mínima” na liberdade de expressão, mas terminou endossando todo tipo de censura e atribuindo a si mesmo superpoderes para ordenar por conta própria a remoção de conteúdos da internet. Por isso, apesar dos sinais positivos, será preciso esperar para ver se as ações de Gonet como chefe do Ministério Público Federal realmente serão condizentes com suas afirmações.