Pressionado por um processo de impeachment no Congresso e já em campanha para se reeleger no ano que vem, o presidente norte-americano, Donald Trump, resolveu abrir um novo front de suas guerras comerciais – aquelas que são “boas e fáceis de vencer”, como afirmou no Twitter no início de 2018 – e mirou Brasil e Argentina. Trump anunciou, na segunda-feira, sua intenção de retomar sobretaxas sobre importações norte-americanas de aço e alumínio provenientes dos dois países.
Que Trump é fã do protecionismo é algo conhecido desde a campanha – foi o discurso de proteção do produto norte-americano que o ajudou a conquistar eleitores em alguns dos mais importantes swing states, os estados onde não existe preferência partidária definida entre a população, e que oscilam entre republicanos e democratas conforme a circunstância. O surpreendente, no caso recente, foi a alegação para que os produtos brasileiros e argentinos fossem sobretaxados: os dois países estariam manipulando o câmbio. “O Brasil e a Argentina têm promovido uma forte desvalorização de suas moedas, o que não é bom para nossos agricultores”, afirmou Trump, insinuando que as cotações recentes não seriam fruto de oscilações naturais de mercado, mas de movimentações deliberadas para favorecer os exportadores de ambos os países.
Guerras comerciais sempre deixam alguns poucos vencedores e muitos perdedores
Quanto aos argentinos, o retorno do peronismo de esquerda ao poder, com a vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, basta por si só para explicar a desvalorização do peso. Tradicionalmente, diante da perspectiva de caos econômico, a moeda norte-americana é o refúgio dos argentinos, a ponto de o governo impor restrições absurdas à compra de dólares por parte dos cidadãos – em pelo menos uma ocasião, os caixas eletrônicos uruguaios se tornaram a alternativa preferida de quem podia atravessar o Rio da Prata.
No caso brasileiro, a alegação de Trump é ainda mais surreal, pois qualquer analista econômico reconhece que o câmbio, no Brasil, é livre e a depreciação recente do real tem origem em vários outros fatores, alguns dos quais já explicados neste espaço e que têm relação até mesmo com o cenário norte-americano, como a guerra comercial com a China e a redução da diferença entre os juros cobrados nos dois países. A atuação do Banco Central brasileiro, que colocou dólares à venda para impedir que a cotação subisse ainda mais, contradiz frontalmente a alegação de Trump a respeito de uma suposta “manipulação cambial”; afinal, se houve algum tipo de intervenção, ela se deu em sentido diametralmente contrário ao apontado pelo norte-americano. Isso é tão evidente que, descartando o que seria uma ignorância avassaladora, aplicável também aos assessores próximos do presidente, sobram as possibilidades de jogo de cena da parte de Trump para agradar o público interno, ou de um voluntarismo truculento de que o norte-americano já deu mostras no passado.
A resposta do governo brasileiro foi buscar um canal de diálogo com os norte-americanos para que a ameaça não se concretize. É a primeira opção – e que já funcionou em 2018, quando Trump anunciou pela primeira vez a sobretaxa sobre aço e alumínio. Se desta vez a estratégia falhar, o país tem outros caminhos à disposição, incluindo o recurso à Organização Mundial do Comércio, apesar do desprezo de Trump por fóruns multilaterais, ou uma retaliação na forma de tarifação sobre produtos norte-americanos. A escalada protecionista, no entanto, é a opção que os dois lados deveriam evitar. A medida norte-americana pode beneficiar alguns setores locais, mas também prejudica as empresas daquele país que dependem da matéria prima importada, e que repassarão adiante os custos mais altos que terão daqui em diante; ela também atinge os exportadores norte-americanos que serão afetados por uma eventual resposta brasileira, que por sua vez teria aqui o mesmo efeito de encarecer itens importados dos Estados Unidos, prejudicando o consumidor. Guerras comerciais, no fim, sempre deixam alguns poucos vencedores e muitos perdedores.