Médicos em todo o Brasil promovem, amanhã e na quarta-feira, mais uma rodada de protestos, e entre os fatores que provocaram a indignação da classe estão as regras para o programa Mais Médicos, lançado recentemente pelo governo federal. Ele prevê, entre outras medidas, a "importação" de profissionais e a obrigatoriedade de que os estudantes de Medicina que ingressarem na faculdade a partir de 2015 prestarem dois anos adicionais de serviços no Sistema Único de Saúde (SUS) como condição para receberem seus diplomas o que, na prática, estende o curso dos atuais seis para oito anos de duração.
Quanto ao convite para que médicos estrangeiros se estabeleçam no Brasil, em princípio não haveria problema algum: afinal, se há poucos médicos brasileiros dispostos a trabalhar no interior (um direito legítimo que lhes cabe, é preciso ressaltar), e há estrangeiros interessados em preencher essa lacuna, nada mais justo que lhes seja dada essa oportunidade desde que esses profissionais passem pelo Revalida, o atual sistema que confere aos formados no exterior a possibilidade de atuar no Brasil, e que consiste de um rigoroso exame. No entanto, não é isso que o Mais Médicos prevê. Ao permitir que médicos estrangeiros atuem no país sem terem sido certificados pelo Revalida, o governo na prática reduz os padrões de qualidade do exercício da medicina no país, um precedente altamente perigoso, que só se justificaria em casos extremos.
No entanto, ainda mais preocupante é a exigência dos dois anos adicionais no SUS para os futuros estudantes de Medicina. Impressiona-nos que poucos tenham percebido o grau de interferência na vida pessoal e profissional dos estudantes que o governo tenta impor com essa medida. Aqui, é preciso analisar a garantia constitucional da liberdade profissional, quais são os seus eventuais limites, e onde o Mais Médicos respeita ou viola esses preceitos.
A Constituição Federal afirma, no inciso XIII do artigo 5.º, que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Ou seja, admitem-se algumas restrições legais ao exercício profissional. É com base nessas restrições, por exemplo, que se admite a exigência de diploma universitário para certas atividades, ou o sucesso no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício da advocacia. Assim, à primeira vista, pareceria aceitável a exigência da prestação de dois anos de serviço no SUS para os alunos de Medicina desde que consagrada em lei, e não em medida provisória, como fez o governo no caso do Mais Médicos.
Mas, como dissemos, é apenas à primeira vista que tal medida parece aceitável. Porque, na verdade, ela ofende o critério da proporcionalidade. Perguntemo-nos: essa decisão tem o objetivo principal de contribuir com a formação do futuro médico ou o de resolver um problema de alocação de recursos humanos no caso, a falta de médicos no interior? Bem sabemos que a resposta está na segunda opção, e nem mesmo os representantes do governo escondem essa intenção, apesar de às vezes mascará-la com o discurso sobre formar "especialistas em gente".
Ora, se o objetivo é resolver o problema de gestão, a maneira encontrada pelo Mais Médicos não é nem adequada (pois, na prática, cria um serviço social obrigatório travestido de educação), nem necessária (pois há diversas outras maneiras de levar médicos ao interior sem recorrer a imposições), nem proporcional (pois interfere excessivamente na vida pessoal e profissional do estudante).
O governo federal já deu sinais de que pode recuar dessa exigência; os ministros da Saúde e da Educação consideram a possibilidade de que, em vez de dois anos no SUS, houvesse dois anos de residência obrigatória. De fato, o modelo atual do Mais Médicos é inaceitável. Se o governo busca alternativas, que elas respeitem o critério legal da proporcionalidade e, principalmente, não estabeleçam imposições que apenas prejudicam a vida profissional do futuro médico.
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