Da esquerda para a direita, os senadores petistas Humberto Costa, Fabiano Contarato, Jaques Wagner e Paulo Rocha.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Diante da invasão russa à Ucrânia, a bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado parece ter decidido que era hora de lembrar aos brasileiros sobre o triste passado diplomático que o Brasil produziu durante os 13 anos em que o Itamaraty esteve sob o comando da sigla. Em nota assinada pelo líder dos petistas na casa, o senador Paulo Rocha, os parlamentares exibem sua adesão à tese disseminada por Moscou, de que a agressão à soberania e ao povo ucraniano seria uma resposta à “política imperialista” dos Estados Unidos, que motivaria uma contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em direção às fronteiras russas.

O documento afirma também: “tal conflito, frise-se, é basicamente um conflito entre os EUA e a Rússia. Os EUA não aceitam uma Rússia forte e uma China que tende a superá-los economicamente”. Ainda que em alguns trechos tente fazer um aceno ao eleitor mais consciente, que tem horror à guerra, os autores não foram capazes de evitar uma omissão que salta aos olhos. O texto é encerrado sem fazer nem uma menção sequer aos ucranianos mortos e feridos nos bombardeios, nem aos milhares de civis que se amontoam nas fronteiras, buscando fugir desesperadamente com suas famílias da destruição iminente das cidades onde moravam.

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Pelo desenrolar dos fatos, pode-se deduzir que o documento foi fruto da espontaneidade dos senadores, uma manifestação automática do pensamento petista sobre geopolítica, já que pouco tempo após a publicação a nota desapareceu das redes sociais e do site da bancada, sendo substituída por outro texto, mais ameno, assinado dessa vez não por um senador, mas pela presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffman. Não nos parece absurdo supor que, num ano eleitoral e com Lula liderando as pesquisas de intenção de voto, alguém os alertou que tal nível de sinceridade seria inoportuno.

Contudo, para o brasileiro não são necessárias novas amostras de simpatia com governos autoritários por parte do PT para sabermos com o que lidamos. A diplomacia praticada durante as gestões de Lula e Dilma, elaborada principalmente pelo ex-ministro Celso Amorim, em 2003, deixou manchas indeléveis em nossa reputação internacional. Ela foi centrada na aproximação do país com ditaduras que navegavam na contramão de toda a tradição brasileira de alinhamento com os valores expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Direito Internacional Público. Incluiu episódios lamentáveis como votações contra o Estado de Israel na ONU; alianças com regimes árabes totalitários; apoio ao ditador hondurenho Manuel Zelaya; vista grossa para abusos cometidos por governos da Bolívia e da Venezuela, além de movimentos terroristas como as Farc; aproximações inexplicáveis com o regime dos aiatolás iranianos; proteção para terroristas como Cesare Battisti; e investimentos duvidosos na economia de ditaduras comunistas como Cuba e Angola. Tudo isso, não raro, a despeito de derrotas diplomáticas evidentes, como nas eleições de membros brasileiros para o Banco Interamericano de Desenvolvimento e para a Organização Mundial do Comércio.

A diplomacia praticada durante as gestões de Lula e Dilma, elaborada principalmente pelo ex-ministro Celso Amorim, em 2003, deixou manchas indeléveis em nossa reputação internacional

Esta Gazeta do Povo acredita que fazer concessões à narrativa oficial de Moscou é o caminho contrário àquele que garante manutenção da paz e respeito às legítimas soberanias nacionais. Como destacamos anteriormente, estamos diante de um retrocesso na relação entre as nações, retornando às agressões expansionistas que vigoraram até a Segunda Guerra Mundial, com evidente desprezo pelos esforços diplomáticos para solução de conflitos.

É difícil não ver como mero pretexto a alegação de que a eventual entrada da Ucrânia na Otan é objetivamente um risco à segurança nacional da Rússia, ao ponto de justificar como única alternativa plausível a invasão armada. Basta ter em vista a tensa relação entre os dois países, desde 2014, após a chamada “Revolução Laranja”, quando a população ucraniana rejeitou maciçamente as decisões de um presidente simpático ao Kremlin, acusado de corrupção. Seguindo sua vocação antidemocrática, desde aquele momento, Putin nunca aceitou o desejo majoritário do povo ucraniano de sair da órbita de Moscou. Muito além de uma suposta ameaça às suas fronteiras, é isso o que incomoda o presidente russo e o impulsiona em seu ânimo belicoso: a perda de influência cada vez mais evidente sobre um ex-membro da União Soviética, cada dia mais próximo do Ocidente. E não se trata de qualquer país, mas sim um dos maiores celeiros da Europa, com reservas estratégicas de urânio.

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É importante lembrar também que o sentimento de nacionalidade ucraniano e o desejo de distância da Rússia, nutrido por boa parte da população, tem raízes em lembranças dolorosas dos tempos de ocupação soviética, como o massacre do Holodomor, quando 12 milhões de pessoas morreram de fome e doenças correlatas devido a decisões desastrosas do governo soviético, entre 1932 e 1933. Esse componente está presente na resistência desesperada da população à invasão ora em curso, lamentavelmente sem o devido apoio das potências ocidentais.

O Partido dos Trabalhadores (PT), que possui quadros orgânicos na diplomacia brasileira, sabe muito bem o que está envolvido nesse jogo. Na encruzilhada civilizacional em que o mundo se encontra, esse grupo político escolheu um lado e assumiu posição clara. Ao relativizar um ato de guerra que já resulta em centenas de vítimas, promovido por um governo marcado pela arbitrariedade, os petistas mostram novamente ao público a que tipo de ordem global se filiam. Não será um apressado esforço para ocultar essa essência, com notórias razões eleitoreiras, o que fará o cidadão esquecer a que tipo de papel o Brasil se prestou enquanto foi regido por homens que pensavam dessa forma.