Em mais um reflexo da grave crise aberta pela greve dos caminhoneiros, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, pediu demissão do cargo para o presidente Michel Temer (MDB) nesta sexta-feira (1º). As ações da companhia chegaram a cair 21%, e as da BRF, para a qual há expectativas de que Parente migre como CEO, subiram 10%. Em carta, o executivo afirmou que, nestes dois anos em que esteve à frente da empresa, contou com amplo apoio do Conselho ao conjunto de medidas para recuperar a companhia, entre as quais está o reajuste flexível dos preços que foi alvo de ataques durante a greve, e frisou a não ocorrência de qualquer interferência política nos rumos da empresa. No entanto, Parente considerou que a crise dos últimos dez dias desencadeou um “intenso e por vezes emocional debate” e que sua permanência à frente da Petrobras “deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente”.
Diante do surto de populismo econômico que tomou conta do país nos últimos dias e que tornou o ex-presidente da Petrobras o maior inimigo dos políticos oportunistas, a decisão de Parente, um respeitado executivo com uma reputação invejável na iniciativa privada, é compreensível. Tão logo começou a greve, a atual política de reajuste de preços da Petrobras foi a primeira a ser culpada. Por sua vez, o mercado reagiu com apreensão à possibilidade de interferência política na Petrobras, mas tanto o governo, quanto Parente garantiram que isso não aconteceria. Com o recrudescimento do movimento, a Petrobras agiu com cautela e anunciou uma redução de 10% no preço e um congelamento por 15 dias, sob a justificativa, bastante razoável, de que a continuidade do movimento redundaria em prejuízos para a própria empresa, devido aos bloqueios a refinarias. Em seguida, o governo acabou atendendo à totalidade do pleito do movimento paredista, investindo em subsídio ao diesel, reserva de mercado, tabelamento do frete e, agora, em uma tentativa tão agressiva quanto patética de tabelamento de preços nos postos de combustível. Por fim, a saída de Parente acende o alerta de que o namoro com a interferência na política de preços da Petrobras se torne um casamento.
O que não pode ocorrer, em hipótese alguma, é um retorno à interferência política agressiva e ao represamento artificial dos preços da Petrobras
Muito se tem dito que Parente não teve “sensibilidade social” durante a greve, mas isso parece exagerado. Entre os extremos da política intervencionista da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e a opção pelo reajuste quase diário nos preços, existe também a possibilidade de flexibilidade com reajustes periódicos. Estes dois últimos modelos respeitam a economicidade da gestão da empresa e estão dentro do leque de opções de um gestor responsável. De fato, a periodicidade tem a vantagem de levar em conta a previsibilidade dos parceiros no desempenho de suas atividades, o que, em mercados onde há concorrência, se torna um ativo importante para as empresas – em linha de princípio, não há razões para a Petrobras não levar isso em conta só porque domina cerca de 80% do mercado de refino.
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Seja como for, se, por convicção ou necessidade, Pedro Parente optou pelo modelo de flexibilidade máxima, isso não desabona sua gestão à frente da empresa, que foi muito bem-sucedida na tarefa de resgatá-la do abismo lulopetista. Sinal disso é que, no primeiro trimestre deste ano, a empresa registrou lucro de R$ 7,69 bilhões – o maior desde 2013 –, remunerando os acionistas pela primeira vez desde 2014. Desde 2016, a revisão dos planos de investimentos, a venda de ativos, o foco em setores estratégicos e os ganhos de eficiência na operação recuperaram a confiança na companhia, que reduziu sua dívida de astronômicos R$ 391 bilhões para R$ 270 bilhões.
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Ironicamente, a gestão petista também foi responsável por deixar os caminhoneiros mais vulneráveis à flexibilidade das oscilações de preços praticadas na gestão de Parente, um problema que se agrava pela disparada dos preços do petróleo, que saltaram de US$ 46,8 em junho de 2017 para U$80 em maio deste ano. Ocorre que, a partir de 2009, o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) subsidiou, a taxas camaradas, a compra de caminhões, financiando 100% do valor do veículo a juros fixos de 7%. A consequência foi quase linear: aumentou o número de veículos rodando e a oferta de fretes, mas, com a crise econômica e a lentidão da retomada, a demanda não acompanhou o movimento, o que fez o preço despencar – o engenheiro Ricardo Gallo calculava, em 2015, um excesso de 288 mil caminhões no país. Com o mercado distorcido, os preços do frete caem e os caminhoneiros, principalmente os autônomos, têm pouca margem para lidar com oscilações de preços do diesel. Diante disso, em condições normais, por mais difícil que seja reconhecê-lo, a tendência é que o mercado se ajuste e algumas pessoas deixem a atividade de transporte de cargas, reequilibrando o mercado.
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Isso não significa, por outro lado, que não se possa amortecer os custos sociais dessa transição em direção ao equilíbrio, adotando uma política de preços que preserve a flexibilidade na formação dos preços, sensíveis a uma série de varáveis do mercado internacional, mas que garanta, ao mesmo tempo, alguma previsibilidade para os agentes econômicos. O que não pode ocorrer, em hipótese alguma, é um retorno à interferência política agressiva e ao represamento artificial dos preços da Petrobras como uma resposta a todas essas dificuldades. Não é pondo em risco a saúde da empresa ou onerando o Tesouro com ressarcimentos excessivos que se resolverão as distorções no mercado de transporte – pelo contrário, essa política sustentará uma oferta artificialmente aquecida, perpetuando as distorções que estão na base da atual crise. Nesse cenário, o pedido de demissão de Pedro Parente reabre as incertezas sobre a política de preços e aumenta as tentações de interferência estatal desmedida na economia, um fantasma que já se achava afastado da vida política brasileira até a eclosão desta greve. Que o governo resista às tentações, evitando retrocessos, e indique um nome técnico para a presidência da empresa.