O que começou como um aceno a algumas categorias específicas de profissionais levou a uma mobilização da elite pública e termina com um rombo para o qual não há espaço no orçamento e que pressionará os cofres públicos não apenas agora, mas também no futuro. O reajuste anunciado pelo governo federal, de 5% para todo o funcionalismo federal do Poder Executivo, é um desfecho que não agradou ninguém para uma novela que já havia começado mal.
Jair Bolsonaro sancionou o Orçamento da União de 2022 com uma reserva de R$ 1,7 bilhão para reajustes salariais, e logo de início deixou claro que pretendia conceder o aumento aos membros da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e agentes prisionais – as forças de segurança sempre contaram com ouvidos atentos do presidente da República, que chegou a se empenhar pessoalmente, durante a tramitação da reforma da Previdência, para que esses profissionais tivessem mantidas algumas regras especiais de aposentadoria. A escolha, como era esperado e perfeitamente natural, irritou todos os demais servidores do Executivo, que passaram a se queixar do que consideravam – acertadamente – uma quebra de isonomia, com o privilégio a alguns grupos de profissionais, enquanto todos os demais permaneceriam sem reajuste.
Se o governo – e, por extensão, a sociedade, que é quem banca o setor público por meio dos impostos – assume um ônus, ainda ficará sem o bônus, pois diversas categorias já se manifestaram contra o reajuste de 5%, que consideram baixo
O presidente da República, então, chegou a lançar um balão de ensaio ao afirmar que a aprovação da PEC dos Precatórios poderia liberar espaço no orçamento para um reajuste a todos os servidores. “Em passando a PEC dos Precatórios, tem que ter um pequeno espaço para dar algum reajuste. Não é o que eles [servidores] merecem, mas é o que nós podemos dar”, afirmou Bolsonaro em novembro de 2021. No entanto, logo na sequência tanto parlamentares quanto ministros afirmaram que a “economia” feita com a PEC já estava toda comprometida com outros gastos, e não havia espaço para tal reajuste. A insatisfação se transformou em mobilização e, por fim, greve em diversos órgãos. A decisão pelos 5% seria, então, uma forma de contemplar todos os servidores sem desrespeitar nem a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe aumentos salariais nos últimos seis meses de um mandato, e a lei eleitoral, que veda reajustes acima da inflação.
Agora, o governo precisará encontrar mais R$ 4,6 bilhões para bancar o aumento, já que seu custo estimado para este ano é de R$ 6,3 bilhões. É certo que haverá cortes nas despesas discricionárias, reduzindo ainda mais a margem do governo para investimentos, que já é extremamente pequena, graças ao engessamento do orçamento e à sede dos parlamentares por dinheiro público, exemplificada pelo recente aumento no bilionário fundão eleitoral e pelas imorais emendas de relator. E o aperto, obviamente, não se limita a 2022: o reajuste contrata uma despesa que é permanente, sendo que o governo continua, ano após ano, gastando bem mais do que arrecada.
Por fim, se o governo – e, por extensão, a sociedade, que é quem banca o setor público por meio dos impostos – assume um ônus, ainda ficará sem o bônus, pois diversas categorias já se manifestaram contra o índice de 5%, considerado insuficiente para repor perdas inflacionárias que as entidades representativas de servidores estimam entre 20% e até 40%. Aqui, no entanto, é preciso matizar as alegações. É a mais pura verdade que a inflação vem corroendo o poder de compra de todos os brasileiros, não apenas do funcionalismo. Pleitear uma reposição é direito legítimo de todo trabalhador, usando os meios que a lei lhe faculta para tal. No entanto, também é preciso lembrar que os servidores passaram incólumes pela recessão de 2015-2016, quando o desemprego saltou de 6,5% para 13,7%, e pela catástrofe socioeconômica causada pela pandemia de Covid-19: não perderam o emprego com o “fecha tudo” ordenado por prefeitos e governadores, nem sequer puderam ter salário e jornada reduzidos, como ocorreu na iniciativa privada. Além disso, sabe-se que a média salarial do funcionalismo, mesmo sem recomposição, ainda supera a média de cargos semelhantes na iniciativa privada, sem contar que muitas das categorias que lideraram a mobilização recente estão no “topo do topo” da pirâmide socioeconômica brasileira, com remunerações mensais próximas aos R$ 30 mil.
Compreenda-se, portanto, a indignação do funcionalismo, seja com a falta de reposição salarial anterior, seja com um aumento considerado pífio. Mas que não se perca de vista que o reajuste coloca uma sobrecarga sobre um “patrão” quebrado, que só não vai à falência por se tratar do poder público – nas mesmas circunstâncias, qualquer empresa já teria ido à bancarrota. E esta sobrecarga terá consequências sobre toda a sociedade, que deixa de ter retorno em investimentos para alimentar um Estado que continua se enxergando como um fim em si mesmo.
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