A insensibilidade completa de setores da elite da estrutura estatal, que nos últimos anos continuaram reivindicando e conseguindo privilégios em atitude de descolamento total em relação à realidade brasileira, deu as caras novamente em Brasília. Desta vez, foram os ministros do Supremo Tribunal Federal que, aproveitando-se da conveniente faculdade de definir os próprios vencimentos, aprovaram de forma unânime um reajuste para si próprios. Seu salário passará dos R$ 39,3 mil atuais para pouco mais de R$ 46 mil até julho de 2024 – falta apenas o aval do Congresso Nacional, o que não passa de mera formalidade, pois ninguém em sã consciência acredita que os congressistas barrariam o aumento, não apenas para evitar qualquer indisposição com o STF, mas também porque ficaria aberto o espaço para que os parlamentares, mais adiante, elevem também os próprios vencimentos.
O reajuste de 18% já é algo que, hoje, só existe nos sonhos da esmagadora maioria dos brasileiros, que com sorte conseguem a reposição da inflação – segundo o Salariômetro, da Fipe, 45% das negociações salariais realizadas no primeiro semestre de 2022 terminaram com aumentos abaixo do INPC acumulado nos 12 meses anteriores. Mesmo assim, as entidades que representam a magistratura – pois o aumento nos salários do STF tem um efeito-cascata que beneficia todos os juízes – queriam ainda mais: a Associação dos Magistrados Brasileiros, por exemplo, pediu que o reajuste fosse de 40%.
Em uma nação como o Brasil, não há condições morais para que os membros de uma elite já muito distante do resto do país continuem colocando seus interesses particulares acima de todo o resto
Olhando friamente os números, pode-se até alegar que, como o último aumento para os ministros do Supremo ocorreu em 2018, o porcentual acertado não repõe perdas inflacionárias. No entanto, essa é apenas parte da história. Sempre é preciso lembrar que estamos falando de brasileiros que estão no “topo do topo” da pirâmide socioeconômica de um país pobre, incapaz de garantir à maioria de seus cidadãos uma renda que lhes permita uma vida digna, sem luxos, mas também sem fantasmas como o da fome. A inflação, obviamente, engole os ganhos de ricos e pobres; mas é altamente improvável que um magistrado que recebesse algo entre R$ 20 mil e R$ 25 mil quatro anos atrás – e este é o vencimento para o início de carreira, sem falar dos inúmeros auxílios e gratificações – tenha sofrido alterações significativas em seu estilo de vida (muito menos qualquer tipo de privação) por causa da inflação, a não ser, talvez, para aqueles que transformaram ternos comprados em Miami em gênero de primeira necessidade, como na célebre reclamação de um desembargador paulista, anos atrás.
O Brasil é um país fiscalmente frágil, que há muitos anos gasta muito mais do que arrecada; que tem 10 milhões de cidadãos à procura de um emprego; que patina para crescer a taxas que finalmente permitam um aumento no bem-estar geral da população. Em uma nação com este perfil, não há condições morais para que os membros de uma elite já muito distante do resto do país continuem colocando seus interesses particulares acima de todo o resto. Juízes devem ser bem remunerados? Certamente que sim, mas o ponto é que eles já o são, tanto em termos absolutos quanto relativos. O mesmo, aliás, vale para uma série de outras categorias do funcionalismo público que fizeram ou ameaçaram greve no início deste ano, em busca de reajustes de 26%.
Como a Gazeta do Povo vem afirmando há quase dez anos, quando começou a longa batalha do auxílio-moradia – encerrada apenas graças à negociata que levou ao reajuste de 2018 –, “a aspiração a boas remunerações é legítima, mas não é sadio que o preço para cumpri-la seja uma dissociação completa entre o salário de um agente público e o da sociedade à qual ele serve”. Os ministros do Supremo, mais uma vez, querem que a sociedade pague esse preço.
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