O brasileiro já se acostumou a ver, ano após ano, o lançamento de programas governamentais de renegociação de dívidas tributárias. Os nomes mudam – quando surgiu, em 2000, chamava-se Programa de Recuperação Fiscal (Refis); em 2017, foi lançado o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) –, mas o espírito é sempre o mesmo: oferecer ao devedor condições bastante confortáveis para renegociar dívidas, com prazos longos e reduções substanciais de juros e multas.
É legítimo que o governo considere tais programas um meio para, ao menos, receber parte de um dinheiro que talvez nunca mais viesse, ou que exigiria longas batalhas judiciais. Mas, com os Refis e Perts sucedendo-se com bastante frequência, as falhas deste modelo começaram a aparecer: o devedor contumaz tinha pouco estímulo para cumprir o que fosse acertado com o governo, certo de que mais cedo ou mais tarde apareceria um outro Refis; e os bons pagadores, que muitas vezes fazem esforços hercúleos para se manter em dia com o fisco, recebiam a mensagem de que deixar de pagar compensa. Um verdadeiro “risco moral” confirmado por dados da Receita Federal, com edições do Refis em que 85% das empresas não cumpriam os acordos.
Os microempresários cujos negócios foram prejudicados pela pandemia e que estão genuinamente dispostos a renegociar seus débitos precisam ter a chance de fazê-lo de forma justa e sem dificuldades
Ainda que em condições normais a sucessiva edição de programas de renegociação – ao menos da forma como vinham sendo feitos – fosse desaconselhável por perpetuar maus comportamentos, a pandemia de Covid-19 mudou tudo. As restrições ao funcionamento de negócios decretadas por governos estaduais e municipais derrubaram a receita de inúmeras empresas e, apesar de programas de socorro bem sucedidos como o auxílio emergencial e o BEm (que permitiu redução proporcional de jornada e salário, ou suspensão de contratos de trabalho, evitando demissões), a oferta de crédito facilitado às empresas, por exemplo para ajudar a bancar a folha de pagamento, foi um calcanhar de Aquiles da estratégia governamental, pois nem sempre funcionou a contento, por uma série de fatores. Com menos dinheiro para as mesmas obrigações, várias empresas escolheram deixar os impostos para depois. Não se tratava de devedores contumazes, que usam os Refis ou Perts como estratégia para adiar indefinidamente o cumprimento de seus deveres tributários, mas de empresários em dificuldades por motivos totalmente alheios à sua vontade, e que efetivamente precisavam de ajuda.
Em dezembro, o Congresso Nacional aprovou e enviou para sanção presidencial dois projetos sobre renegociação de dívidas tributárias. O PL 4.728/2020 reabria o Pert, e o PLP 46/2021 criava um outro programa, o Programa de Renegociação em Longo Prazo (Relp) para micro e pequenas empresas do Simples Nacional e microempreendedores individuais (MEIs). O presidente Jair Bolsonaro vetou este último projeto na semana passada, sob a alegação de que haveria inconstitucionalidade e violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. A decisão atendeu recomendação do Ministério da Economia, que desde o ano passado vem manifestando sua preferência por outras modalidades como a Transação Excepcional, que tem inscrição aberta até fevereiro deste ano e no qual a renegociação é feita caso a caso. O ministério alega que com isso seria possível diferenciar entre as empresas realmente prejudicadas pela pandemia e os devedores contumazes interessados em se aproveitar de mais um Refis.
Nesta segunda-feira, Bolsonaro afirmou estar certo de que o Congresso derrubará o veto quando voltar do recesso, mas que neste meio tempo haveria uma “solução parcial” para compensar o veto, talvez em forma de medida provisória. As circunstâncias que envolvem a aprovação do PLP 46, com amplo apoio da base governista, e a naturalidade com que Bolsonaro encara a possível reversão do veto indicam que (como, aliás, já ocorreu em outros casos) este seja um veto feito apenas para ser derrubado, um teatro. Fato é que os microempresários cujos negócios foram prejudicados pela pandemia e que estão genuinamente dispostos a renegociar seus débitos precisam ter a chance de fazê-lo de forma justa e sem dificuldades, seja com o Relp, seja com alguma outra solução adequada à realidade das micro e pequenas empresas; mas isso poderia muito bem ser negociado sem banalizar um dispositivo importante para as relações entre Executivo e Legislativo.
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