O resultado expressivo de estados e municípios contribuiu para que o setor público consolidado (União, estatais e entes subnacionais) tivesse, pela primeira vez desde 2013, um superávit primário (ou seja, antes do pagamento de juros da dívida): foram R$ 64,7 bilhões, ou 0,75% do PIB. Para compor este número, os estados e municípios contribuíram com um superávit de R$ 97,7 bilhões, mas a União, por outro lado, ainda teve déficit primário de R$ 35,1 bilhões. Mesmo assim, o resultado do governo federal superou as expectativas – a projeção oficial mais recente indicava que o déficit primário da União beiraria os R$ 90 bilhões.
O ministro Paulo Guedes, da Economia, ressaltou a redução do gasto público como porcentagem do PIB em 2021, na comparação com 2020: “Esse desempenho fiscal, com uma redução de dez pontos, praticamente, de um ano para o outro, não aconteceu antes. Foi preciso dois, três, quatro governos para fazer esse ajuste que nós fizemos em um ano”, afirmou. De fato, o indicador caiu de 26,1% em 2020 para 18,1% no ano passado. No entanto, a comparação não é muito satisfatória, pois 2020 foi um ano completamente anômalo para o gasto público nacional. A despesa explodiu para que o país pudesse amenizar as consequências econômicas da pandemia de coronavírus. Só o auxílio emergencial custou R$ 300 bilhões; toda a resposta governamental à pandemia engoliu R$ 539 bilhões, e o déficit primário de 2020 ficou em R$ 743 bilhões. O primeiro ano da Covid não pode ser considerado um padrão decente de comparação; seria preciso olhar para os anos anteriores e analisar o desempenho do Brasil a partir deles.
Contar apenas com a receita para gerar resultados primários sólidos é apostar todas as fichas em um único cavalo. É preciso atacar também o lado da despesa, reparando os danos causados ao teto de gastos nos últimos meses e realizando as reformas macroeconômicas
E os números mostram que nem seria preciso apelar a uma comparação com 2020 para que os dados de 2021 sejam vistos com uma lente positiva. Os 18,6% de despesa do governo como proporção do PIB são o melhor resultado desde os 18,1% de 2014; o mesmo ocorre com o déficit primário, que foi de 0,4% do PIB, também o melhor número desde 2014. O dado preocupante é o da dívida bruta do governo geral (DBGG), que era de 74,3% do PIB em 2019, saltou para 88,8% em 2020 e regrediu em 2021, mas continua acima dos 80%, bem acima do período pré-pandemia.
Guedes destacou o esforço brasileiro de ajuste fiscal como uma das explicações para o déficit primário menor que o esperado, mas os números divulgados pelo próprio Ministério da Economia mostram que o ajuste não chegou a ser tão forte: a despesa em 2021 foi R$ 334 bilhões menor que a de 2020, mas o governo afirma que, de um ano para o outro, houve redução de R$ 366,5 bilhões em créditos extraordinários, R$ 89,4 bilhões em apoio a estados e municípios e R$ 16,3 bilhões em subsídios e subvenções – todas despesas ligadas à pandemia. Ou seja, mesmo levando em conta o efeito da inflação de 10% em 2021 (que, aliás, deve ser aplicado sobre todos os outros números divulgados) e os R$ 121 bilhões ainda gastos pelo governo federal com a Covid no ano passado, ao tirar da conta os gastos com a pandemia estaríamos mais próximos de um “zero a zero” que de um ajuste fiscal sólido, com redução substancial da despesa pública, na comparação de 2021 com 2020.
Para 2022, Guedes expôs perspectivas positivas em relação à receita, já que a arrecadação ganha com o crescimento econômico e o aumento dos investimentos: “Já temos compromissos de investimento de R$ 828 bilhões, com o ano começando, e a previsão é de que até o fim do ano teremos mais de R$ 1 trilhão de compromissos de investimentos para os próximos dez anos. Graças ao papel preponderante de investimentos privados”, afirmou. Mas contar apenas com a receita para gerar resultados primários sólidos é apostar todas as fichas em um único cavalo. É preciso atacar também o lado da despesa, reparando os danos causados ao teto de gastos nos últimos meses e realizando as reformas macroeconômicas, especialmente a administrativa, para que se torne um Estado mais eficiente, que gaste bem em vez de gastar muito, que não exista apenas para manter a si mesmo.