Na noite do último domingo, um incêndio destruiu o Museu Nacional, localizado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A perda do prédio em si, residência da família real portuguesa e da família imperial brasileira até 1889, já seria trágica o suficiente, mas lamenta-se especialmente a destruição da maior parte do acervo do museu. Se é verdade que algumas coleções, mantidas em anexos, conseguiram escapar do fogo, o que estava no edifício principal está praticamente perdido, como, por exemplo, o crânio de “Luzia”, com 11 mil anos, o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas. A coleção egípcia, os fósseis de dinossauros e todo o acervo histórico também pereceram nas chamas, incluindo boa parte da memória do período imperial brasileiro.
Para entender o impacto dessa perda para o Brasil, podemos imaginar o que aconteceria se um desastre semelhante afetasse o Museu Britânico, em Londres; os Museus Vaticanos, em Roma; o Smithsonian, em Washington; o Metropolitan Museum of Art, em Nova York; o Louvre, em Paris; ou o Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México. Tanto é assim que a repercussão do incêndio, bem como a consternação diante da perda, foi mundial. E mais uma vez o Brasil aparece como uma nação que não sabe preservar seu patrimônio e sua história, como havia ocorrido com os incêndios do Instituto Butantã, em 2010, e do Museu da Língua Portuguesa, em 2015.
Ao menosprezar nossos acervos, os responsáveis pelo turismo demonstram uma enorme miopia e incompetência
A agonia do Museu Nacional, que estava desde 1946 sob a administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, antiga Universidade do Brasil), já vinha de muitos anos. O reboco solto e a fiação exposta eram apenas o sintoma mais evidente de sucessivos cortes orçamentários. Em janeiro de 2015, o museu chegou a ser fechado por falta de recursos para pagamento de pessoal de limpeza e vigilância. Os R$ 21,7 milhões de uma parceria fechada com o BNDES, e que seriam destinados principalmente à reforma do prédio histórico, chegaram tarde demais.
Outros museus brasileiros passam por situação semelhante. O Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga e administrado pela Universidade de São Paulo, foi fechado em 2013 por risco de desabamento do forro. Desde então, apenas os serviços emergenciais foram feitos. A USP simplesmente descartou um projeto de quatro arquitetos e ex-professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da própria universidade, preferindo anunciar um concurso público em setembro de 2017. As obras devem começar em 2019 e o objetivo é reabrir o museu em 2022, bicentenário da Independência do Brasil.
Parte do dinheiro para a reforma do Museu do Ipiranga virá da iniciativa privada, que deveria ser vista como uma parceira importante não só nos momentos de desespero, mas também ser envolvida no dia a dia dos nossos museus, colaborando na sua administração, ainda mais quando fica claro que as instituições e universidades públicas não estão sendo capazes de administrar os museus brasileiros a contento. O Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, por exemplo, é gerido por uma organização social. Parcerias e concessões não deveriam estar fora do radar daqueles que desejam manter os museus vivos.
O dinheiro que faltou aos museus, como aliás o dinheiro que falta a diversos outros serviços, correu por décadas pelo ralo de políticas imediatistas, de prioridades tortas, da corrupção. Mas este descaso em específico é reflexo de um desprezo ainda maior pela ciência e por nossa história, uma mentalidade que faz inúmeras vítimas, como os cientistas, historiadores, antropólogos e outros especialistas, que precisam do acervo para suas pesquisas; os estudantes, que precisam do contato com os museus para alimentar seu interesse pelos temas ali representados; e todos os brasileiros, que perdem a referência sobre quem somos, de onde viemos, pelo que passamos na construção de nossa nação. A administração precária dos museus também prejudica o turismo, pois uma instalação mal cuidada perde seu potencial de atração de visitantes, que poderiam representar uma fonte de renda adicional para a manutenção das coleções. A enorme procura dos turistas por museus como aqueles citados no início deste texto mostra que, ao menosprezar nossos acervos, os responsáveis pelo turismo demonstram uma enorme miopia e incompetência. Por mais que a expressão “tragédia anunciada” soe batida, ela continua adequada para descrever o resultado de tamanho abandono.