A equipe econômica continua empenhada em impedir que o PLP 149/2019, o ex-Plano Mansueto, seja transformado pelo Congresso Nacional em uma “bomba fiscal” de efeito ainda desconhecido. O texto foi aprovado na Câmara, ainda que em uma versão não tão ruim quanto o primeiro substitutivo, e está no Senado, onde o ministro Paulo Guedes tenta convencer os parlamentares a alterar o projeto para que ele tenha um impacto fiscal definido e seja acompanhado de contrapartidas. Os senadores, no entanto, também sofrem pressão dos governadores, que gostariam de ver o projeto mantido da forma como os deputados o aprovaram.
Na sua versão atual, o PLP 149 prevê (entre outras medidas) que o governo federal repasse aos estados e municípios o valor correspondente à diferença entre a arrecadação de ICMS e ISS, respectivamente, e o montante recolhido pelos entes subnacionais no mesmo período do ano passado. Assim, estados e municípios teriam garantida, no mínimo, a mesma arrecadação de 2019. A questão é que essa diferença é desconhecida e impossível de prever no momento – nos casos de perda de arrecadação acima de 50%, o custo para o Tesouro Nacional já entraria na casa das centenas de bilhões de reais, segundo os estudos do Planalto. As contrapartidas exigidas são muito poucas, como o uso dos recursos no combate à pandemia e a proibição da concessão de novos benefícios fiscais, a não ser que envolvam setores diretamente ligados à Covid-19 ou pequenas e microempresas.
A possibilidade de ampliar os gastos enquanto durar o estado de calamidade pública não pode servir para quebrar o país
Guedes tem conversado com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) – que pode até mesmo assumir a relatoria do projeto – para conseguir duas mudanças importantes: que o valor repassado a estados e municípios seja determinado já no projeto de lei, eliminando o “fator surpresa”; e que haja contrapartidas importantes de governadores e prefeitos, ainda que com impacto muito menor que as medidas previstas no Plano Mansueto original. Guedes havia oferecido R$ 40 bilhões, parte deles de uso livre por parte dos gestores, além de suspender temporariamente o pagamento das dívidas de estados e municípios com a União, o que não consta da versão atual do PLP 149 e ainda privaria o governo federal de receber algumas dezenas de bilhões de reais. Em troca, haveria uma série de restrições a aumento de gastos, especialmente com o funcionalismo, por dois anos.
No estado atual das negociações, Guedes tem se mostrado disposto a aumentar o repasse a estados e municípios caso consiga incluir no texto as medidas de ajuste fiscal envolvendo os servidores. “Se houver contrapartida de estados, não faz mal subir a ajuda”, afirmou o ministro da Economia na noite de segunda-feira. A equipe econômica certamente sabe até onde pode ir, consciente de que a possibilidade de ampliar os gastos enquanto durar o estado de calamidade pública não pode servir para quebrar o país e jogar por terra o importante esforço que vinha sendo feito para recuperar a credibilidade do Brasil diante do mercado financeiro internacional.
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Além de desmontar a surpresa fiscal, a proposta de Guedes tem o mérito de também incluir o funcionalismo no esforço que hoje é pedido a todos os brasileiros para reduzir o impacto econômico da pandemia. Com empresas quebrando e trabalhadores da iniciativa privada perdendo o emprego e tendo salários reduzidos, seria ilógico que nada fosse exigido do funcionalismo, especialmente no caso daqueles que estão experimentando redução na carga de trabalho. Permanecer sem reajustes por dois anos, mas mantendo a estabilidade, é indubitavelmente melhor que passar pela sina dos demais assalariados neste momento.
No dia 20, Guedes também afirmou que os senadores estão conscientes de que é preciso haver essa contrapartida. Sendo ou não o relator, Alcolumbre será fundamental para conseguir não apenas o apoio dos seus pares, mas também dos governadores, os principais interessados na compensação. Socorrer estados e municípios é atitude importantíssima nos momentos de grandes catástrofes, mas sem que se fomente a irresponsabilidade e a noção de que o Tesouro Nacional sempre estará com os cofres abertos para despejar dinheiro a cada dificuldade enfrentada pelos estados e municípios, dificuldades essas muitas vezes decorrentes da própria inconsequência dos gestores.
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