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Imagem ilustrativa.| Foto: Joachim Kirchner/Pixabay

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou na terça-feira que não há “pressa” para levar ao plenário o projeto de lei que legalizaria no Brasil não apenas os cassinos e os bingos, mas até mesmo o jogo do bicho. O mais provável, segundo Pacheco, é que a votação fique para depois do recesso parlamentar. No dia 19, o PL 2.234/22 passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em votação apertada, com 14 votos favoráveis e 12 contrários; Pacheco adiantou que, apesar de um acordo pelo qual o PL ainda passaria por outras comissões do Senado, como a de Assuntos Econômicos, a tendência seria submeter logo o texto ao voto de todos os senadores – que, esperamos, finalmente percebam que os supostos benefícios são muito inferiores ao potencial dano que a legalização causará à sociedade.

Entre os apoiadores do projeto está o governo federal – informações de bastidores apontam que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estaria na articulação pela aprovação do PL 2.234. Os argumentos desta ala resumem-se, basicamente, ao dinheiro que a atividade movimentaria; a Fazenda está especialmente de olho no potencial de arrecadação de impostos, já que esta é a única forma que Haddad e Lula (que prometeu não vetar a lei, caso o texto acabe aprovado) conhecem de equilibrar o orçamento e as formas atuais de arrancar mais dinheiro do contribuinte brasileiro estão se esgotando. Mas enxergar a questão apenas por este prisma – mesmo considerando-se o argumento da possível geração de empregos – é apequenar o debate.

Há muitos outros meios de gerar emprego e fomentar o turismo sem legalizar uma atividade com um potencial tão prejudicial a indivíduos, suas famílias e à sociedade como um todo

O vício em jogos de azar é doença oficialmente reconhecida pela Organização Mundial da Saúde há mais de três décadas. O prejuízo que este vício causa não apenas ao jogador compulsivo, mas a todo o seu entorno, ultrapassa a evidência anedótica e está fartamente documentado na literatura científica. O viciado corrói as finanças de sua família, privando-a muitas vezes dos valores necessários à sua subsistência – um efeito que também se observa com o vício em drogas. Dívidas de jogo ou desavenças relacionadas à jogatina são estopim para crimes contra a vida. Analisando-se a questão em uma perspectiva macro, a jogatina é ambiente propício para atividades como lavagem de dinheiro, e já se sabe que as grandes facções criminosas brasileiras estão se aproveitando do fenômeno das apostas esportivas para turbinar suas finanças, com as consequências que toda a sociedade está cansada de conhecer.

Tampouco faz sentido o argumento de que a legalização de cassinos representaria uma grande oportunidade para o turismo no Brasil, justificativa usada pelo relator do PL na CCJ, o senador Irajá (PSD-TO), e pelo ministro do Turismo, outro membro do primeiro escalão do governo empenhado em defender o projeto junto aos senadores. Se hoje o Brasil exibe números medíocres de visitantes estrangeiros, isso nada tem a ver com a ausência de cassinos. O enorme potencial turístico do Brasil, com suas belezas naturais, cultura vibrante e povo com fama de alegre e acolhedor, é subaproveitado porque nossa infraestrutura é precária, porque nos faltam ferramentas para melhor receber o estrangeiro – inclusive proficiência em outros idiomas – e porque o país tem sérios problemas de segurança pública que espantam os visitantes. Acreditar que algumas dezenas de cassinos teriam o poder mágico de dobrar o número de turistas estrangeiros (como chegou a afirmar Irajá em 2022) sem que todas essas deficiências sejam resolvidas é de uma enorme ingenuidade.

Há muitos outros meios de gerar emprego e fomentar o turismo sem legalizar uma atividade com um potencial tão prejudicial a indivíduos, suas famílias e à sociedade como um todo, da disseminação do vício em jogos ao fortalecimento do crime organizado. A vedação atual à atividade dos cassinos e bingos, portanto, não é uma proibição paternalista, nem desproporcional; é a autêntica defesa dos interesses da sociedade. Defesa esta que, caso o projeto vá mesmo ao plenário, exigirá uma mobilização ainda maior dos senadores que quase conseguiram barrar a legalização da jogatina na CCJ.

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