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Editorial 1

O silêncio lhe cai bem

Há um mês, não se fala de outra coisa senão do silêncio de Dilma Rousseff. Muito se especula de que sua postura discreta seja uma estratégia de marketing do publicitário João Santana. Diz-se que ele teria esculpido para sua cliente um molde de gesso dois em um, digna de figurar no Museu Madame Tussaud: Elizabeth II com Margareth Tatcher. Protegida pela penumbra e pela rigidez espartana, a presidente alcançaria dois ganhos dos quais necessita para governar em paz – evitar as comparações com o histriônico Lula e imprimir um estilo próprio, pelo qual seria lembrada e respeitada.

Melhor desconfiar de que as atitudes de Dilma sejam de caso pensado. Tudo indica que as longas jornadas de trabalho e as raras aparições sejam coerentes com sua biografia, que não se confunde com os palanques, metáforas e sessões corridas de emoção, artes nas quais Lula é mestre inconteste. O negócio da presidente são reuniões de planejamento e quedas de braço políticas que poriam czares no chinelo. Não pode mentir para si mesma.

Nada mais feminino, aliás. Tudo indica que Dilma está reforçando o que tem de melhor – sua capacidade de pegar no pesado, estabelecer metas e exigir resultados. Seu pavio curto já toma ares de lenda. Sendo realidade, sobra pouco tempo para o espelho e para as delícias do microfone. Se as escolhas que vem fazendo vão contribuir para sua popularidade, aí é que são elas.

É provável que a performance de Dilma lhe traga dividendos de imagem nos círculos mais ilustrados. Entre os menos, com folga a maioria, deve ser chamada de presidente frigidaire ou daí para cima, mas nada que a transforme, num passe de mágica, numa rata de palanque a se esgoelar em inaugurações de postes. O silêncio de fato lhe cai bem.

Vale a pena, contudo, não descartar a hipótese de que toda e qualquer discussão sobre o "estilo Dilma" não passe de um falso problema. Livre das obrigações de campanha, quando deixou de ser senhora de si e teve de se investir de simpatias de aluguel, ela finalmente pode dar vazão à sua própria personalidade, sem a qual não há quem fique à vontade. A não ser que se trate de um psicopata ou um poeta fingidor.

A curiosidade sobre quem é Dilma, contudo, ainda incomoda milhões. O modelo "livro aberto" de Lula – muito parecido com o dos amigos e vizinhos com quem proseamos nos fins de semana, permitindo-se confidências e inconfidências – não combina com os códigos de uma tecnocrata, dada a rituais acadêmicos e aos rigores espartanos da administração pública. O "jeitão" Dilma pede objetividade, rapidez, informação. Mais do que tirania, essas atitudes inspiram respeito pelo tempo de seus interlocutores, o que vale para a imprensa: que não lhe venham com mais de cinco perguntas. É claro – a depender da intensidade, a atitude de gerente irascível e matadora pode nos matar de frio. Mas é ainda muito cedo para afirmar que isso vá acontecer. O que se pode dizer por enquanto é que podemos querer bem a Dilma sem que ela seja o Lula. A isso se chama ser gente grande.

A propósito, não faltam cronistas políticos pedindo alguns showzinhos de Dilma, de modo a lhes abastecer as maltraçadas linhas. Mas exigir-lhe isso é deseducar o público, tomando o presidente por um animador de auditório. Não é preciso chacrinhas no Planalto. Qualquer tentativa de fazer de Lula um padrão não passa de promover a caricatura, da qual já está farto o país em que a política se confunde com a corrupção e se redime na esquisitice.

Se foi tudo ideia do João – palmas para ela. Se Dilma for de fato o que demonstrou nos primeiros dias de governo – palmas para nós. Até agora, suas aparições têm sido medidas com régua e compasso. A pronta presença em meio à tragédia da região serrana do Rio de Janeiro foi de encher de orgulho. A homenagem ao ex-vice José Alencar, idem. O encontro com Cristina Kirchner, em curso, é certeiro: há muito a conversar com a vizinha e parceira comercial Argentina. As duas não hão de fazer metáforas sobre futebol. Nem discutir a altura das saias... O que era normal até ontem vai ficando em algum lugar do passado. É a vida.

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