A reforma trabalhista de 2017 decretou o fim do imposto sindical: o recolhimento obrigatório, por parte dos trabalhadores, do equivalente a um dia de trabalho “em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão” ou, na sua inexistência, “à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional”. Com isso, sindicatos, federações e centrais perderam parte significativa dos recursos que recebiam – em média, a redução superou os 95%, mas ela está distribuída de forma desigual por haver categorias mais sindicalizadas que outras. Agora, um julgamento no Supremo Tribunal Federal pode avalizar uma medida a que várias dessas entidades vêm recorrendo para tentar cobrir o rombo: a cobrança, também obrigatória, de uma “contribuição assistencial” decidida em assembleia.
No início de 2017, o STF havia decidido pela inconstitucionalidade de tal contribuição porque já havia o imposto sindical, pelo qual o trabalhador não sindicalizado era obrigado a bancar a entidade sindical correspondente. Os embargos de declaração contra essa decisão, no entanto, só estão sendo julgados agora, em um cenário no qual o imposto sindical já não existe. Esse foi o argumento do relator Gilmar Mendes para mudar seu entendimento anterior e considerar que as “contribuições assistenciais” previstas no artigo 513, alínea “e”, da CLT são constitucionais, posição que já tinha sido defendida por Luís Roberto Barroso e foi seguida também por três outros ministros até agora. Se este entendimento sair vitorioso, os sindicatos ficariam livres para, em suas assembleias, aprovar a cobrança compulsória, desde que haja a liberdade de os trabalhadores não sindicalizados manifestarem sua oposição ao pagamento, hipótese na qual não terão valor algum descontado de seu contracheque.
A CLT é clara ao dizer que qualquer desconto ou cobrança precisa de autorização individual e explícita do trabalhador, invalidando cláusulas de “contribuições assistenciais” mesmo quando decididas em assembleia
Ocorre, no entanto, que o legislador, durante a tramitação da reforma trabalhista, deixou muito clara a maneira como os sindicatos deveriam ser financiados. O artigo 611-B da CLT, inserido na legislação trabalhista durante a reforma de 2017, afirma que “Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (...) XXVI – (...) o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”. Na mesma linha, vários outros artigos inseridos na CLT pela reforma de 2017 mencionam a necessidade autorização “prévia e expressa” do trabalhador para qualquer cobrança.
Alegar que não há “supressão ou redução” dos direitos do trabalhador não sindicalizado porque ele teria a opção de se manifestar e evitar o desconto não é nem mesmo uma interpretação elástica da lei; é afirmar o contrário do que ela diz. A reforma trabalhista é inequívoca ao dizer que a regra é a ausência de cobrança; se o trabalhador quer contribuir com o sindicato, ele pode se filiar ou dar sua autorização individual – e não coletiva, havendo inclusive jurisprudência do Supremo a esse respeito – e explícita para qualquer outro tipo de cobrança, no que é chamado de opt in. A “contribuição assistencial” que os sindicatos querem ver autorizada pelo STF funciona no sistema opt out: decide-se cobrar de todos (não raro, em assembleias com participação pífia), e o não sindicalizado que se opuser precisa se manifestar, do contrário sofrerá o desconto (e tal direito de oposição nem sempre recebe a devida publicidade). No entanto, ainda que tais cláusulas sejam aprovadas em assembleia, como tem ocorrido com frequência em todo o país, elas são inválidas, de acordo com a CLT.
Gilmar Mendes ainda alegou que o sistema sindical pré-reforma trabalhista se baseava no binômio unidade sindical (a regra do artigo 8.º, II, da Constituição, pela qual não pode haver mais de um sindicato representando a mesma classe profissional em determinado território) e imposto sindical obrigatório. O Congresso acabou com o imposto, mas não com a unidade sindical, e isso teria introduzido uma distorção que seria resolvida pela liberação da “contribuição assistencial” obrigatória, desde que com a liberdade do trabalhador para manifestar a recusa. Essa, no entanto, é a resposta errada para o problema; o ideal seria que o Congresso tratasse de consagrar a liberdade sindical no país – até porque, por mais absurda que seja a unidade, não é tarefa do Supremo abolir ou mudar a Constituição – enquanto se zela pelo respeito ao artigo 611-B da CLT, como convém ao Judiciário. Afinal, em tese o legislador até poderia ter admitido um modelo de “contribuição assistencial” como o desejado pelos sindicatos, mas, se não o fez, não cabe agora ao Supremo tomar o papel do Legislativo e torná-lo válido.
Em linha com nossa defesa perene de um associativismo forte como elemento constitutivo de uma sociedade, afirmamos que sindicatos são fundamentais para promover uma relação saudável entre empregado e empregador; servem, por exemplo, para defender o trabalhador de abusos e injustiças e para aconselhá-lo em negociações. Mas, assim como partidos políticos e diversas outras entidades, devem ser bancados pelos que estão dispostos a fazê-lo voluntariamente, pela filiação ou por outros meios. Se querem mais membros, os sindicatos precisam mostrar serviço, lutando pelos direitos dos seus representados mais que fazendo política partidária ou se engajando em outras atividades que nem sempre refletem as convicções dos trabalhadores que dizem defender. No entanto, o STF está a apenas um voto de fazer letra morta da lei trabalhista, alinhando-se às alas mais ideologizadas da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho e validando uma manobra que apenas prejudica o trabalhador.
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