Comentando a ordem de instalação da CPI da Covid, o ministro Luis Roberto Barroso disse que cumpre a Constituição e desempenha o seu papel com seriedade, educação e serenidade.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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Na quinta-feira, em decisão monocrática, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ordenou a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado. A investigação busca, segundo o requerimento de abertura, “apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados”; o pedido estava parado na gaveta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que já havia dado declarações à imprensa chamando a CPI de “contraproducente”, mas não havia tomado nenhuma decisão formal a esse respeito. A decisão de Barroso seria mais um episódio entre tantos outros de interferência do Judiciário nas atividades do Legislativo? Para responder a esta pergunta, é preciso analisar a Constituição e os precedentes citados pelo ministro.

O parágrafo 3.º do artigo 58 da Constituição afirma que “as comissões parlamentares de inquérito (...) serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo (...)”, ou seja, haveria apenas esses três requisitos, que estavam cumpridos no caso da CPI da Covid. Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), autores da ação no STF, alegaram que a legislação não dá ao presidente do Senado o poder de barrar CPIs caso as exigências constitucionais estejam preenchidas, argumentação que foi aceita por Barroso. Tampouco o Regimento Interno do Senado cita qualquer prerrogativa do presidente da casa neste sentido, nem no artigo 48, que trata das atribuições do presidente, nem no artigo 145, sobre as CPIs.

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CPIs são um meio de dar voz às minorias parlamentares; condicionar seu funcionamento à decisão de um único parlamentar, ainda que seja o presidente da casa, é permitir que a vontade de apenas um cale a voz de um grupo

Há um motivo para que a criação de CPIs não esteja dependente da anuência pessoal do presidente da Câmara ou do Senado: o mecanismo é um meio de dar voz às minorias parlamentares, já que tais comissões exigem o apoio de um terço dos membros das respectivas casas; condicionar o funcionamento das CPIs à decisão de um único parlamentar, ainda que ele tenha sido eleito por seus pares para uma função de liderança, é permitir que a vontade de apenas um seja capaz de calar a voz de um grupo que, mesmo minoritário, é relevante.

Pode-se até alegar que Pacheco não desrespeitou a Constituição, pois não rejeitou formalmente o pedido de instalação da CPI, limitando-se a adiar o momento de tomar qualquer atitude; mas ao menos neste caso, considerando as declarações à imprensa do presidente do Senado, esta omissão estaria se transformando em recusa implícita. O desfecho pode não ter sido o mais desejável, já que a judicialização desse tipo de procedimento sempre acaba gerando conflitos, mas não vemos como falar, aqui, em interferência indevida do Supremo sobre o Congresso, até mesmo porque já havia precedentes neste sentido. Em 2005 e 2007, também por ordem do STF, foram instaladas, respectivamente, a CPI dos Bingos no Senado e a CPI do Apagão Aéreo na Câmara – o petismo tentou a todo custo abafar a investigação sobre os bingos, que foi o primeiro grande escândalo do governo Lula.

Resta, ao fim, uma outra questão: há oportunismo político na CPI da Covid? Por que investigar apenas a responsabilidade do governo federal quando se sabe que, durante a pandemia, houve irregularidades em outras esferas de governo, inclusive com governadores, prefeitos e secretários sendo responsabilizados? Aqui, de imediato não se pode culpar Barroso, pois ele não mudou o escopo do requerimento original assinado por 30 senadores, limitando-se a determinar que a CPI seja aberta. E mesmo este grupo de parlamentares está em seu pleno direito ao pretender uma investigação das ações do governo federal. Nada impede que o Congresso também se debruce sobre as supostas irregularidades em governos estaduais ou municipais – basta que os parlamentares tenham o mesmo espírito de iniciativa demonstrado pela oposição e protocolem o seu próprio requerimento de CPI. Afinal, ninguém em sã consciência espera que ilícitos no combate à pandemia passem impunes, independentemente de quem os tenha cometido.

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