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Editorial

O STF e a oportunidade de Bolsonaro

Ataque de Celso de Mello à "delinquência do submundo digital" é um ataque àqueles que ajudaram a eleger o atual presidente da República.
O decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, se aposenta em novembro de 2020. (Foto: SCO/STF)

No fim deste ano de 2020, o presidente Jair Bolsonaro terá a chance de tomar uma decisão que poderá deixar um legado de longo prazo para o Brasil. Em 1.º de novembro, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, completa 75 anos e, pela legislação brasileira, terá de apresentar sua aposentadoria, cabendo a Bolsonaro selecionar seu substituto. Será a primeira de duas escolhas que Bolsonaro deve fazer durante este mandato – em junho de 2021, será a vez de Marco Aurélio Mello atingir a idade-limite.

Indicado por José Sarney, Celso de Mello se notabilizou especialmente por sua convicção garantista, manifestada inúmeras vezes e que, em algumas ocasiões, até lhe rendeu algumas críticas injustas, como no caso dos embargos infringentes do mensalão. Naquela ocasião, coube a Mello, na qualidade de decano, desempatar uma votação que permitiu novos recursos a vários condenados no esquema petista – pela regra, o decano é o último a votar antes do presidente da corte; naquele caso em específico, no entanto, o presidente, Joaquim Barbosa, já havia votado por ser o relator. Mello se tornou o alvo preferencial dos críticos, apesar de ter havido outros cinco votos favoráveis à aceitação dos recursos – uma controvérsia, aliás, que nem teria existido se Dias Toffoli tivesse se declarado impedido de participar do julgamento, já que um dos réus era José Dirceu, seu ex-chefe na Casa Civil.

Um ministro do Supremo com potencial para fazer um grande bem ao país precisa ter um bom pacote de convicções e rejeitar o ativismo judicial

Essa defesa intransigente das garantias e direitos dos acusados da parte de Mello não pode ser confundida, no entanto, com leniência em relação aos criminosos. Naquele mesmo julgamento, por exemplo, Mello proferiu vários votos pela condenação dos mensaleiros e reservou a eles algumas das qualificações mais duras feitas na ocasião, como o de “sociedade de delinquentes” que agiu “nos subterrâneos do poder, como conspiradores à sombra do Estado”, para realizar uma “agressão permanente contra a sociedade civil”. A quadrilha petista trabalhou para conseguir “o domínio do aparelho de Estado e a submissão inconstitucional do Parlamento aos desígnios criminosos de um grupo que desejava controlar o poder, quaisquer que fossem os meios utilizados”. Ao condenar Dirceu e José Genoíno, Mello falou em um “projeto criminoso de poder”, “macrodelinquência governamental” e “agenda criminosa muito bem articulada”.

É verdade que, mais recentemente, o decano foi favorável à anulação de julgamentos da Lava Jato em que réus delatados não puderam entregar suas alegações finais por último. Aqui, no entanto, estava em jogo uma questão processual em que prevaleceu a visão garantista de Mello. Quando se trata de analisar as evidências propriamente ditas da roubalheira, o ministro tem se referido ao petrolão em termos semelhantes aos dedicados aos mensaleiros – o decano, por exemplo, foi voto vencido no julgamento que absolveu a então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

É nos temas ligados a comportamento, no entanto, que a atuação do decano tem sido mais questionável. Em 2008, Mello fez parte da maioria que permitiu as pesquisas com células-tronco embrionárias. Quatro anos depois, o ministro também votou para permitir o aborto de fetos anencéfalos. No ano passado, na qualidade de relator de uma das ações sobre a equiparação da homofobia ao racismo, Mello demonstrou, em seu extenso voto, ter aderido aos pressupostos dos ideólogos de gênero, com direito a citações a Judith Butler, negando, assim, a verdade biológica sobre a complementariedade dos sexos.

Quem deve substituir Celso de Mello? Bolsonaro ainda tem um ano inteiro para buscar um nome, e já tratou do tema logo após sua vitória nas urnas, quando levantou a possibilidade de indicar o ministro da Justiça, Sergio Moro, caso fosse essa a vontade do ex-juiz federal. Após a conclusão do julgamento sobre a criminalização da homofobia, Bolsonaro falou em indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo, e o advogado-geral da União, André Mendonça, apareceu nas especulações. Mais que falar em nomes, nosso objetivo aqui é traçar o perfil que consideramos ideal para um futuro ministro.

Dadas as características do STF, que julga uma série de ações que vão muito além das questões puramente constitucionais, um ministro do Supremo com potencial para fazer um grande bem ao país precisa ter um bom pacote de convicções que inclua a firmeza contra a corrupção; o respeito à vida e à família; a ojeriza ao estatismo, priorizando o protagonismo do indivíduo, da sociedade civil e do setor privado; e a rejeição dos corporativismos. Tudo isso precisa estar combinado com a consciência plena de que um ministro do Supremo é guardião e intérprete da Constituição, não seu autor. É preciso conter os ímpetos de ativismo judicial demonstrados por vários dos atuais ministros em muitos temas, que vão de restrições à liberdade econômica até a pura e funesta engenharia social, em que o Judiciário refaz a lei de acordo com as convicções ideológicas do magistrado. Se Bolsonaro encontrar um nome que contemple todas essas características, além daquelas consagradas na lei, como a reputação ilibada e o notório saber jurídico, sua escolha terá um impacto benéfico e de longo prazo, comparável ao das reformas que seu governo vem promovendo.

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