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Editorial

O STF hesita em resolver a crise que criou

Plenário do Supremo Tribunal Federal. (Foto: Nelson Jr./STF)

Nesta quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal deveria ter definido qual seria o procedimento a adotar como padrão quando tiver de analisar casos semelhantes aos julgamentos que a corte acabou de anular – o do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine e o do ex-gerente da estatal Márcio de Almeida Ferreira. Os dois executivos foram condenados em julgamentos diferentes, mas tinham em comum o fato de dividirem o banco dos réus com acusados que fizeram delação premiada e terem solicitado prazos diferenciados para oferecer suas alegações finais, o que não era previsto pelo Código de Processo Penal. No entanto, a quinta-feira passou sem decisão alguma, pois alguns dos ministros se ausentariam, e o presidente da corte, Dias Toffoli, quer a presença de todos eles para decidir algo tão importante.

Faz sentido que Toffoli deseje quórum máximo, dada a relevância do que será decidido. Mas, se o único argumento para adiar a votação era a ausência de alguns dos membros da corte na sessão deste dia 3, bastaria incluir o julgamento na pauta da próxima semana. Não foi isso o que ocorreu, no entanto. Ainda não há data para a continuação da votação, e informações de bastidores dão conta de que há impasse dentro da corte a respeito do caminho que se deve seguir.

O que se conclui disso é que o Supremo abriu uma caixa de Pandora e não tem a menor ideia de como fechá-la. É razoável que a corte queira fixar um procedimento a seguir nos julgamentos em curso e futuros. Determinar que, a partir de agora, delatados entreguem suas alegações finais apenas depois de tomar conhecimento das peças enviadas pela defesa dos delatores é um passo adicional para garantir o devido processo legal e o direito ao contraditório. É na análise de julgamentos já concluídos que o estrago foi feito: quando a Segunda Turma adotou o formalismo puro e simples para anular a condenação de Bendine pelo simples fato de não ter havido prazos diferenciados (como, aliás, prevê o Código de Processo Penal), sem nem analisar se houve prejuízo real ao réu, instalou a insegurança jurídica completa.

O Supremo abriu uma caixa de Pandora e não tem a menor ideia de como fechá-la

Na data ainda indefinida, os ministros votarão duas propostas de Toffoli quanto aos julgamentos passados: na primeira, só serão passíveis de anulação os julgamentos em que a defesa de um delatado pediu para falar por último; na segunda, é preciso que fique comprovado o prejuízo concreto ao réu para que se possa anular um julgamento. Da combinação dos resultados dessas duas votações surgirá a regra a ser aplicada pelo Supremo quando analisar novos recursos.

E as consequências podem ser catastróficas. Se o plenário rejeitar ambas as propostas, aderindo ao formalismo segundo o qual o prejuízo é dado como certo e decorre da simples ausência de prazos diferenciados, todo julgamento em que o magistrado não concedeu tempo adicional para as alegações finais do réu delatado será anulado, ainda que esse procedimento estivesse de acordo com o Código de Processo Penal. Isso beneficia não apenas corruptos condenados da Lava Jato, mas até mesmo membros de milícias, chefes de facções criminosas e quaisquer integrantes do crime organizado que tenham dividido o banco dos réus com delatores que os incriminaram.

Na ponta oposta, se as duas teses vencerem e a comprovação do prejuízo for condição necessária para a anulação, o Supremo estará implicitamente admitindo que errou nos dois casos que deram origem a todo o imbróglio – principalmente em relação a Márcio Ferreira, pois, como lembrou Luís Roberto Barroso, o então juiz Sergio Moro efetivamente deu prazo adicional à defesa quando percebeu que as alegações finais de outros réus tinham informações novas. O ministro ainda acrescentou que “o réu paciente [Ferreira] entendeu que não tinha mais nada a dizer”.

Entre esses dois extremos há, ainda, um universo de possibilidades, se considerarmos o que já disseram alguns ministros durante o julgamento. Ricardo Lewandowski, por exemplo, perguntou o que ocorreria em um caso no qual um corréu delatado recorreu pedindo prazo adicional, mas outro corréu delatado não o fez, talvez por já saber que seu pedido não teria amparo no CPP. Luiz Fux já tinha questionado a diferenciação de prazos lembrando que a situação poderia se inverter: um réu delatado poderia, em suas alegações finais, trazer novidades contra o réu delator. Até mesmo a definição de “prejuízo” está em aberto. Se um réu delatado pede prazo adicional e o juiz nega, por concluir que nas alegações finais dos delatores não há nenhuma informação nova, haveria prejuízo? Por fim, há quem defenda que não é obrigação da defesa comprovar o prejuízo ao réu, e sim que cabe ao Ministério Público demonstrar a ausência de dano.

Enquanto essas perguntas não forem respondidas, dezenas de julgamentos ficarão sob a espada de Dâmocles. E, ao postergar uma definição tão importante para o país, o Supremo comprova a afirmação atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, segundo a qual “no Brasil, até o passado é imprevisível”.

E, já que os ministros resolveram revirar o passado, a única solução aceitável, que minimizará o estrago, é anular apenas os julgamentos em que se comprovar prejuízo real. Se na fase de alegações finais um delator trouxe informações novas e o réu delatado não teve a oportunidade de se defender dessas acusações, estamos diante de um caso evidente de violação do direito de defesa. Do contrário – se não houve elementos novos nas alegações finais, ou se o réu delatado teve prazo adicional concedido pelo juiz –, não há por que falar em anulação. Infelizmente, a julgar pelo que a maioria dos ministros já afirmou ou decidiu, é bem possível que repitam a lenda grega, fechando a caixa, mas deixando dentro dela a esperança – no caso, a esperança dos brasileiros de que a impunidade finalmente tenha um fim no país.

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