O governo federal já tem data para encerrar uma longa sequência de déficits primários iniciada em 2014, ano em que ficou evidente que a “nova matriz econômica” petista, adotada anos antes, arruinaria o país com sua explosão de gasto público. De acordo com as projeções feitas nos anexos do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023, enviado ao Congresso, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) terá superávit primário de R$ 33,7 bilhões em 2025 – no ano passado, o superávit primário se referiu ao setor público consolidado, que também inclui estados e municípios; foram eles que fecharam o ano no azul, já que a União ainda teve déficit de R$ 35,1 bilhões.
No entanto, para que isso ocorra o Ministério da Economia também prevê uma forte redução em gastos discricionários, que envolvem o custeio da máquina administrativa e os investimentos de livre escolha do governo. E, sempre que surge a perspectiva de redução nos investimentos ou de piora do serviço público, aparece a tentação de culpar o “suspeito de sempre”, o teto de gastos. A regra que limita a elevação do gasto público geral à inflação foi adotada em 2016, como resposta ao descontrole petista; além de ser atacada desde que foi proposta, mais recentemente também passou a ser desmoralizada e contornada com gambiarras legais.
O raciocínio é simples: o valor total que o governo pode gastar só pode subir o equivalente à inflação, mas há vários tipos de gastos obrigatórios que sobem acima da inflação, sem falar em despesas novas que são criadas. A “fatia” desses gastos, portanto, cresce mais que todo o bolo, deixando uma parcela menor para a despesa discricionária; se o governo quiser fechar o ano no azul, precisará apertar o cinto com mais força justamente no custeio da máquina e nos investimentos. Derrubar o teto seria a forma mais simples de eliminar essa dificuldade.
Um país que retira da sociedade um terço de tudo o que ela produz na forma de impostos não pode dizer que não tem recursos para investimentos e serviços públicos de qualidade
Felizmente, não é essa a solução que está proposta no PLDO. No mesmo anexo em que se prevê o superávit primário em 2025, a equipe econômica admite que o “crescimento na participação dos gastos obrigatórios em detrimento dos gastos discricionários (...) tende a precarizar gradualmente a oferta de bens e serviços públicos e a pressionar, ou, até mesmo, eliminar investimentos importantes”, mas afirma que a forma de evitar esse desfecho é “a necessidade de avanço na agenda de reformas estruturais”. Os autores dizem que “é importante que alterações com vistas a proporcionar maior flexibilidade nas regras fiscais sejam evitadas ao máximo para se impedir uma trajetória de persistente crescimento do endividamento”, e lembram que o respeito às regras traz uma resposta positiva do mercado financeiro, e vice-versa. “Eventuais alterações no modelo de metas de resultado primário provocam mudanças na percepção de risco de quem financia o governo, o que pode causar aumento de custos desse financiamento. É notória a relação positiva entre regras fiscais críveis e queda nos prêmios de risco de refinanciamento, como pôde ser observado à época da criação do teto de gastos, pois logo após sua instituição as taxas de juros dos instrumentos de financiamento da dívida registraram queda relevante”, diz o anexo.
“A realização de reformas que reduzam a proporção de despesas obrigatórias e de receitas vinculadas no orçamento são importantes para melhorar o funcionamento das regras, mas não se deve abrir mão das regras”, continua o texto. No entanto, há quem sugira, ainda que de forma tímida, outro tipo de regras. Na entrevista coletiva de apresentação do PLDO, em 18 de abril, o secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, defendeu o teto, mas fez uma leve ressalva. “O reajuste automático pela inflação é uma regra que a gente deveria olhar com mais cuidado. Obviamente demanda alteração constitucional, mas essa prerrogativa de aumentar as despesas deveria ser do Congresso, e não uma fórmula automatizada na Constituição”. A crítica, aqui, não é endereçada ao teto, mas ao indexador.
Usar a inflação para reajustar o teto de gastos significa que o aumento no gasto público é apenas nominal, não real. Isso traz uma vantagem sobre indexadores que poderiam proporcionar aumento real nos gastos, especialmente em épocas de vacas gordas, com crescimento robusto do PIB e da arrecadação, pois é justamente nesses momentos que vem a tentação de incorporar mais despesas, contratando um gasto que se torna permanente mesmo que mais adiante venha um período ruim para a economia, comprometendo os cofres públicos. Solução muito mais arriscada seria deixar o índice de correção a cargo do Congresso, de forma arbitrária, pois neste caso seria impossível prever que decisão sairia da mente de parlamentares adeptos do terraplanismo orçamentário, crentes na geração espontânea e ilimitada de dinheiro público. Considerando as possíveis alternativas, a inflação como critério para a correção do teto ainda parece a melhor escolha, ao menos por ora.
Um país que retira da sociedade um terço de tudo o que ela produz na forma de impostos não pode dizer que não tem recursos para investimentos e serviços públicos de qualidade. A culpa não é do teto, e sim do engessamento legal do orçamento e da falta de disposição de governo e Congresso em aplicar os “três Ds” (desobrigar, desindexar e desvincular); da voracidade de parlamentares interessados em emendas e fundos bilionários de financiamento de partidos e campanhas; de subsídios fiscais mal aplicados e ineficientes; de um Estado inchado; dos infinitos e caros privilégios dos membros dos três poderes e da elite do funcionalismo. Sem as reformas que ataquem com força esses escoadouros de dinheiro público, pode-se até dinamitar o teto que os investimentos e serviços seguirão precarizados.
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