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Editorial

O valor da segurança jurídica

 | Evaristo Sá/AFP
(Foto: Evaristo Sá/AFP)

A ministra Rosa Weber foi o fiel da balança no julgamento em que, na quarta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal negou o habeas corpus em favor do ex-presidente Lula, o que abriu caminho para sua prisão, ocorrida no sábado. Seu voto, no entanto, ao mesmo tempo em que buscou se ater ao caso em pauta – a situação específica do ex-presidente, e não a tese geral sobre prisão após condenação em segunda instância –, transcendeu a discussão mais estrita para fazer uma bela defesa da segurança jurídica, algo que não é importante apenas no Direito Penal, mas vai muito além: serve para distinguir uma democracia sólida das republiquetas e regimes personalistas e autoritários.

Recordemos: Rosa Weber é favorável ao início do cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado, ou seja, o esgotamento de todos os recursos em tribunais superiores. Mas, em respeito ao princípio da colegialidade, votou por negar o habeas corpus por não ser este o entendimento em vigor no momento. E, em seu voto, ainda dedicou um bom tempo ao tema das mudanças de jurisprudência. Segundo a ministra, precedentes não são imutáveis: “Até que ponto uma corte constitucional está vinculada aos próprios precedentes? (...) Diante das mutações jurídicas ou de alterações fáticas significativas (...), não há muita dificuldade em se reconhecer que pode se afastar ou rever suas decisões”, afirmou.

Que incentivo um empreendedor tem para iniciar um negócio em um país no qual há uma incerteza permanente sobre as regras?

No entanto, isso não pode ocorrer a torto e a direito. “A simples mudança de composição [do Supremo] não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência. Como tampouco o são razões de natureza pragmática ou conjuntural”, afirmou. Precedentes podem não ser imutáveis, mas também não são irrelevantes a ponto de poderem ser jogados no lixo ao sabor da conveniência. Quando os próprios ministros do Supremo agem, em decisões monocráticas, de forma contrária a decisões tomadas pelo plenário – seja por sincera convicção a respeito da própria opinião, por pura vaidade de quem foi posição vencida, ou até por motivos mais espúrios –, a segurança jurídica vai pelo ralo.

E Rosa Weber foi bem clara ao descrever o que ocorre quando a segurança jurídica fica ameaçada. “A imprevisibilidade qualifica-se como si só como capaz de transformar o direito em arbítrio”. A palavra é forte, mas adequada. O arbítrio, afinal, pode se fazer presente não apenas pela força, mas também pela caneta. Se o que vale não é mais a lei ou a jurisprudência, e sim a opinião de quem é chamado a tomar determinada decisão, o país passa a viver em uma eterna loteria.

As consequências dessa imprevisibilidade se estendem por toda a sociedade. Não é à toa que estudos sobre liberdade econômica e facilidade de fazer negócios levam a segurança jurídica em consideração quando avaliam as nações, mesmo quando não mencionam o termo explicitamente. Que incentivo um empreendedor tem para iniciar um negócio em um país no qual há uma incerteza permanente sobre as regras, onde o que hoje é permitido pode ser proibido amanhã? E aqui é preciso dizer que essa insegurança não vem apenas dos tribunais, mas também de parlamentos, especialmente por meio de projetos de lei feitos sob medida para atender a interesses corporativistas – basta lembrar que os aplicativos de transporte individual correram sério risco no Congresso, já que a versão inicial de um projeto sobre o tema praticamente inviabilizava o funcionamento dessas ferramentas.

É verdade que, em seu voto, Rosa Weber deixou subentendido que, em um julgamento sobre o início do cumprimento da pena, votaria de acordo com sua convicção. Com isso, o entendimento que tinha vigorado até 2009 e foi retomado em 2016 seria alterado mais uma vez – graças à mudança de opinião de outro ministro, Gilmar Mendes. É possível que, na avaliação da ministra, a manutenção da norma atual seja um erro grave, e que é mais importante corrigi-lo que preservar o precedente. Isso não invalida ou retira força do alerta que ela fez com suas palavras: se quiser avançar, o Brasil precisa ser um país onde as pessoas conheçam as normas e possam confiar em sua aplicação, sem “surpresas” dia sim, dia não.

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