A revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas, é conhecida por seu alto nível técnico, profundidade teórica e estudos sobre os mais variados setores, com predomínio da análise econômica fundada em dados reais. Em sua edição de junho de 2012 – portanto, há nove anos –, a revista publicou um estudo sobre a situação da oferta de energia no Brasil, que iniciava com as seguintes palavras: “Preços, impostos, encargos, carência de investimentos e incentivos a fontes alternativas e sustentáveis revelam as fragilidades da política energética brasileira”. Naquele momento, o Brasil sofria as consequências de erros na política energética e parecia que o país, sobretudo governo e os agentes econômicos que atuam no setor, estava entendendo melhor o problema e disposto a dar mais atenção aos efeitos negativos sobre a produção nacional e o crescimento econômico.
O Brasil já vinha havia tempo se destacando por ter uma combinação esquisita de um fenômeno altamente positivo (matriz energética das mais limpas do mundo) com algo bastante negativo (a terceira energia mais cara do planeta). Logo de início se identificavam duas causas para a anomalia de ter energia limpa convivendo com preços altos: os tributos elevados e vários encargos cobrados nas contas. Vale recordar alguns aspectos, porque o Brasil tem o hábito de não extirpar anomalias tributárias e, quando tenta consertar a coisa, introduz defeitos novos sem que os velhos tenham sido suprimidos.
Há tempos o Brasil exibe a combinação esquisita de um fenômeno altamente positivo (matriz energética das mais limpas do mundo) com algo bastante negativo (uma das energias mais caras do planeta)
Como os consumidores sabem, o alto valor das faturas começa com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual introduzido sobre a energia após a Constituição Federal de 1988 e, sobre o valor-base do consumo, ultrapassa um terço da conta. As altas alíquotas de ICMS sobre energia continuam e nada indica que irão se reduzir. No passado, além da introdução do ICMS, outros encargos passaram a sobrecarregar a fatura, como a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), criada para promover o setor nos estados e levar energia a todos os habitantes; a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), instituída para compensar os custos mais elevados da energia em determinadas regiões do país; e a Reserva Global de Reversão (RGR), valor pago pelas concessionárias de geração, transmissão e distribuição para gerar caixa destinado a cobrir gastos do governo com a política energética.
Ocorre que, no Brasil, quando se extingue a cobrança de algum encargo de natureza tributária ou para outro fim específico, o governo, percebendo que o consumidor está acostumado com o alto preço da conta, arruma um jeito de não retirar os encargos antigos ou retira-os, mas impondo algum outro ônus no lugar. A estrutura de custos da energia e a sanha tributária decorrem de dois fatores: um, que a produção e a oferta de energia eram feitas por empresas estatais (monopólio legal); outro, a energia tem sua produção e distribuição estruturadas sob monopólio técnico, isto é, não é tecnicamente viável haver uma dezena de empresas de energia levando rede de fios e cabos a todos os consumidores para estabelecer competição entre elas. No futuro, as novas formas de energia que venham a dispensar postes e fios para chegarem até o consumidor deixarão de ser monopólios técnicos, mas, por enquanto, ainda predomina a rede física clássica.
Na elevação dos custos e dos preços da energia no Brasil estão presentes equívocos cuja raiz está no apagão ocorrido em 2001 que, pela grave crise hídrica derivada de enorme seca (como está acontecendo agora de novo), expôs a nação a um duríssimo racionamento do consumo comercial e residencial. Causou perplexidade na população, na época do apagão, a informação de que havia 19 usinas iniciadas e não concluídas, algumas paradas e em processo de deterioração, numa demonstração clara da grave ineficiência na administração pública no setor. Na sequência do racionamento, iniciou-se a reestruturação do setor sob nova política, em 2004, intitulada “Novo Modelo”, para elevar investimentos, concluir as obras paradas e garantir o abastecimento e manutenção de geração limpa de energia.
Atualmente, o Brasil está diante de duas crises: uma energética e outra no abastecimento de água. A crise energética está caracterizada principalmente pela energia cara, e a crise da água está nos baixos níveis dos reservatórios, situação que vem se agravando pelo período de seca que já passa de um ano e meio. A presidente Dilma Rousseff, que se dizia especialista em energia por ter sido ministra da pasta correspondente, declarou à época de seu primeiro governo que abandonaria os dogmas petistas contra as privatizações e anunciou um plano de atração de capitais privados para o setor, mas, como é costume no Brasil, passada a gravidade da crise o governo parou de falar no assunto, ou pelo menos parou de se sentir pressionado a dar solução estrutural para o drama. A atual crise hídrica, que está assustando pelo tempo longo demais sem chuvas, traz de volta o problema da água e da energia e, mais uma vez, não importando quem seja o governante ou partido no governo, se descobre que os velhos gargalos não foram resolvidos. A sociedade, que não tem como resolver a crise por sua conta, deve pelo menos gritar e pressionar os governantes para que enfrentem as soluções de uma vez por todas.
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