Poucas pautas unem tanto a base do presidente Jair Bolsonaro e a esquerda quanto a convicção de que o dinheiro do contribuinte brasileiro está à disposição da classe política para bancar o funcionamento de partidos e de campanhas eleitorais. Nova demonstração de que o interesse próprio prevalece sobre o interesse do país ocorreu nesta sexta-feira, quando 317 deputados e 53 senadores concordaram em derrubar um veto de Bolsonaro à Lei de Diretrizes Orçamentárias, inflando o bilionário fundão eleitoral, que deverá ter R$ 5,7 bilhões em 2022, contra os R$ 2 bilhões propostos pelo governo.
Os partidos do Centrão – especialmente o PL de Bolsonaro, o PP de Arthur Lira (presidente da Câmara) e o Republicanos – se juntaram a legendas de esquerda como o PT, tradicional defensor do uso de dinheiro do cidadão brasileiro para financiamento de campanhas eleitorais, o PSB, o PDT e o PCdoB. Na Câmara, foram poucos os partidos que não deram nenhum voto para a derrubada do veto: Cidadania, Novo, PSol e Rede. Já o PV, o PSL e o Podemos se colocaram, em sua maioria, contra o inchaço do fundão, mas ainda contribuíram com alguns votos a favor da farra com o dinheiro público. No Senado o desenho não foi muito diferente: Cidadania, Podemos e Rede não deram nenhum voto para derrubar o veto; o PSDB, dividido na Câmara, se colocou majoritariamente contra o fundão no Senado. Mas não foram suficientes para deter DEM, MDB, PL, PP, PSD (do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco), Pros e PT, responsáveis por 48 dos 53 votos pela derrubada do veto.
Partidos e campanhas precisam ser financiados apenas por seus filiados e simpatizantes, não pelo dinheiro suado de todos os brasileiros
Apesar do cinismo de alguns parlamentares em seus discursos, havia deputados que, se não tinham a menor noção de moralidade no uso do dinheiro público, tinham bem afiado o instinto de autopreservação, tentando uma manobra que os impediria de aparecer como defensores da farra do fundão. O Solidariedade tentou uma votação “em bloco”, unindo o veto aos R$ 5,7 bilhões com outros vetos presidenciais que mobilizavam outros partidos contrários ao aumento do fundo eleitoral. O truque naufragou; mesmo assim, entre o certo (o dinheiro pingando nos cofres partidários) e o incerto (o possível constrangimento de ficar registrado como apoiador do fundão), a maioria dos deputados preferiu o dinheiro e mandou às favas os escrúpulos, se algum havia.
Não existe o menor sentido em se destinar tamanha quantia ao fundo eleitoral, que foi de R$ 1,7 bilhão em 2018; no ano seguinte, parlamentares alegaram que o valor para 2020 teria de ser maior porque as eleições municipais envolvem um número maior de candidatos, e aceitaram R$ 2 bilhões depois de terem tentado levar R$ 3,7 bilhões. Um aumento de 185% não é justificável sob ângulo nenhum, nem político, nem econômico – ainda mais considerando, para usar o argumento dos próprios políticos, que as eleições do ano que vem devem ter um número de candidatos menor que as de 2020.
O financiamento público de partidos e campanhas já seria um acinte ainda que estivesse sobrando dinheiro nos cofres do Tesouro, depois de todas as necessidades inadiáveis terem sido satisfatoriamente financiadas. Mas tomar R$ 5,7 bilhões do contribuinte em tempos como esses, de estagnação econômica, dívida pública em níveis preocupantes e nos quais o governo e o Congresso promovem gambiarras orçamentárias para bancar um programa social, é algo inaceitável. Partidos e campanhas precisam ser financiados apenas por seus filiados e simpatizantes, não pelo dinheiro suado de todos os brasileiros, concordem ou não com as plataformas dos políticos que estão bancando.