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Editorial

O aborto e o erro do STF

 | Marcelo Camargo/Agência Brasil
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os defensores da legalização do aborto no Brasil há muito desistiram de conseguir a mudança da legislação por meio do Congresso Nacional, e têm recorrido ao Supremo Tribunal Federal para conseguir seus objetivos. Na terça-feira passada, um trio de ministros ofereceu aos arautos da morte um presente sem precedentes, ao julgar o mérito de um habeas corpus para revogar a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica clandestina de aborto, no Rio de Janeiro. Toda a Primeira Turma do STF votou a favor do habeas corpus, mas Luís Roberto Barroso foi muito além: declarou que a legislação que criminaliza o aborto é inconstitucional por violar direitos fundamentais da mulher e, por isso, a prática não seria crime se realizada no primeiro trimestre da gravidez – nisso, foi lamentavelmente seguido por Edson Fachin e Rosa Weber. A decisão se limita ao caso específico dos funcionários da clínica de aborto, mas o fato de ter um efeito concreto restrito não nos permite minimizá-la, pois ela abre precedente para entendimento semelhante de outros magistrados.

A atitude e os argumentos de Barroso, defensor de longa data da legalização do aborto, são inaceitáveis, e suas dimensões não nos permitem contestá-los todos em apenas um texto. Por isso, nesta ocasião nos deteremos sobre os aspectos puramente jurídicos e processuais para, em outro editorial, nos dedicarmos aos aspectos éticos e científicos envolvidos no voto do ministro.

O “ativismo judicial” é um verdadeiro perigo por concentrar, na mesma figura, legislador e juiz

De início, o que estava em jogo no julgamento em questão era única e exclusivamente a existência de critérios técnicos para que fosse mantida a prisão preventiva dos cinco acusados – por exemplo, se eles poderiam prejudicar a investigação caso ficassem soltos. Em 2014, o ministro Marco Aurélio Mello (também integrante da Primeira Turma) já havia concedido o habeas corpus em caráter liminar; em agosto, começou a avaliação do mérito, ocasião em que Barroso pediu vista, finalmente oferecendo seu voto na terça-feira. Em momento algum estava em jogo a discussão sobre os acusados terem ou não cometido o crime que lhes era imputado, muito menos a própria legislação sobre o aborto. Ao se pronunciar desta forma sobre tema que não estava em pauta, Barroso extrapolou totalmente sua competência.

Barroso ainda ignorou completamente o Pacto de San José da Costa Rica, que garante a todo ser humano o “reconhecimento de sua personalidade jurídica”, o que inclui o direito à vida, e foi ratificado pelo Brasil em 1992. Por mais que não tenha força de norma constitucional, por não ter cumprido os requisitos do parágrafo 3.º do artigo 5.º da Constituição Federal, o documento está acima da lei ordinária (incluindo o Código Penal), o que na prática fecha as portas para qualquer tipo de legalização do aborto no Brasil por obrigar o país a, no seu ordenamento jurídico, proteger a vida humana em todos os seus estágios. O Código Civil brasileiro, aliás, reflete esse entendimento ao estabelecer, em seu artigo 2.º, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A necessidade de proteção da vida humana desde a concepção é, também, posição majoritária na doutrina e na jurisprudência.

Por fim, resta evidente que Barroso – assim como Edson Fachin e Rosa Weber – pretendeu avançar sobre a competência de outro poder ao tomar para si a função de legislador. Uma interferência inaceitável, que inclusive já despertou reação da Câmara dos Deputados. Mais grave ainda é que, para cometer essa intromissão na seara do Legislativo, os ministros do STF não podem nem mesmo alegar omissão dos parlamentares sobre o tema, pois a lei existe há décadas; não se trata de um impasse que o Congresso se recusa a resolver. O nome disso é “ativismo judicial”, um verdadeiro perigo por concentrar, na mesma figura, legislador e juiz.

Toda essa análise prescinde das considerações de Barroso sobre a questão específica do aborto, nas quais ele também comete um sem-número de equívocos. Desses trataremos nos próximos dias.

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