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| Foto: Barry Cronin/AFP

A partir do próximo dia 1.º de janeiro, um país europeu que até então havia resistido valorosamente em defesa da vida passará a permitir, em seu território, a prática do aborto até a 12.ª semana de gestação, sem restrições. A Irlanda só permitia o aborto como o resultado de uma intervenção médica com o objetivo de salvar a vida da mãe, mas, em maio de 2018, a maioria do eleitorado aprovou uma mudança na Constituição que abria espaço para a legalização. Com isso, o governo preparou um projeto de lei aprovado na primeira quinzena de dezembro tanto pelos deputados quanto pelos senadores, e sancionado pelo presidente do país no último dia 20.

Além da permissão indiscriminada para o aborto nas primeiras 12 semanas de gestação, a nova lei também permite a eliminação do bebê em outros estágios da gravidez quando houver risco de vida para a mãe ou quando o feto apresentar alguma condição que provavelmente leve à morte da criança em até 28 dias após o parto – uma descrição que contempla, por exemplo, casos de anencefalia.

O primeiro-ministro Leo Varadkar, que teve formação em medicina antes de entrar na política, havia feito campanha pela legalização durante o referendo, e saudou o resultado da votação de maio como “o ponto culminante de uma revolução tranquila” em que o povo pediu “uma Constituição moderna para um país moderno”. Uma escolha de palavras muito peculiar, pois na questão do aborto a parte menos tranquila é justamente o ser humano que terá sua vida abreviada dentro do ventre da mãe. E não há nada de moderno – se entendermos a palavra como sinônimo de “progresso”, o que certamente foi a intenção de Varadkar – em decidir que indivíduos indefesos e inocentes já não têm o mais importante dos direitos, o direito à vida.

Em uma nação que permite ou tolera o aborto, a consciência – individual ou institucional – daqueles que se recusam a matar é a última fronteira da civilização

A legislação aprovada pelo Parlamento irlandês e sancionada pelo presidente do país não se limita a permitir a eliminação dos nascituros; ela também avança sobre a consciência de médicos, farmacêuticos e administradores hospitalares. O trecho da lei sobre a objeção de consciência afirma que médicos, enfermeiras e parteiras, não precisarão fazer abortos se assim o desejarem – uma provisão legal que, apesar de ser um direito básico, ainda é incompleta. Isso porque, diante de uma mulher que deseja abortar, esses profissionais continuam obrigados a indicar um outro médico que esteja disposto a realizar o procedimento.

A maioria dos países onde há aborto legalizado e a possibilidade de objeção de consciência faz tal exigência aos médicos pró-vida. Mas ela não deixa de ser uma violação da consciência do profissional, pois sua oposição ao aborto não se limita a não participar diretamente do ato em si. Trata-se, também, de não colaborar para que o aborto se concretize – colaboração essa que acaba ocorrendo de maneira forçada, quando um médico tem de indicar colegas que façam abortos. Uma solução estaria na lei da Nova Zelândia: ainda que este país lamentavelmente permita a interrupção da gravidez, pelo menos respeita o direito do profissional de saúde de não participar de forma alguma na realização de um aborto, nem mesmo indicando quem o faça. Varadkar foi bem mais intransigente: ainda em junho, ele já havia dito que “não toleraria” que um médico ou enfermeira se negasse, por motivos de consciência, a encaminhar uma gestante a um colega que aceitasse fazer abortos.

Mas, se alguns profissionais de saúde têm a opção de não se envolver diretamente com a morte de um ser vivo inocente e indefeso, os farmacêuticos não têm essa opção, de acordo com a lei. Estima-se que cerca de metade dos abortos que passarão a ser realizados na Irlanda ocorra por meio da administração de medicamentos. Um profissional que cuide do estoque de fármacos de um hospital, por exemplo, não está protegido pela lei.

Nossas convicções: Defesa da vida desde a concepção

Leia também: O desprezo pela vida humana (editorial de 14 de junho de 2018)

O mesmo ocorrerá com as instituições cujo ethos inclui a defesa incondicional da vida humana. Já em junho Varadkar havia dito com todas as letras que instituições que recebessem recursos públicos não poderiam se recusar a realizar abortos se em seus quadros houvesse médicos dispostos a tal. Mas a lei não faz a ressalva do financiamento público. Consequentemente, um hospital gerenciado por uma ordem religiosa católica, por exemplo, ainda que não receba um centavo do governo, ficaria obrigado a realizar abortos em suas dependências. Depois das declarações de Varadkar, a conferência episcopal irlandesa publicou um código de conduta para suas instituições de saúde, proibindo a realização de abortos nesses locais e deixando subentendido que resistirá ao governo. Se a desobediência civil falhar, restarão apenas duas opções: curvar-se e negar sua própria essência, ou fechar as portas.

Em uma nação que permite ou tolera o aborto, a consciência – individual ou institucional – daqueles que se recusam a matar é a última fronteira da civilização. Foram necessárias décadas de luta para que a objeção de consciência se tornasse um direito respeitado pelas sociedades democráticas, seja quando se trata de não ir à guerra, seja quando se trata de não colaborar com um aborto. Mas aqueles que desejam sacrificar os não nascidos já demonstraram que, para conseguir seu objetivo, não hesitarão também em sacrificar a consciência daqueles que já nasceram. Que aos irlandeses comprometidos com a vida não falte a coragem que, nas atuais circunstâncias, terá tudo para ser chamada de heroica.

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