| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Num dia, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), demonstra comprometimento com a reforma da Previdência, em um sinal de que está atento às verdadeiras prioridades do país. No outro, parece ceder ao corporativismo e anuncia a criação de uma comissão especial para analisar o projeto de lei sobre abuso de autoridade, vindo do Senado e que tramitará em regime de prioridade na Câmara. Uma pressa que tem tudo para coibir o debate sobre um texto que já foi muito pior, mas ainda traz elementos que podem prejudicar o combate à corrupção no país.

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As primeiras versões elaboradas pelo relator do tema no Senado, Roberto Requião (PMDB-PR), eram a consagração do revanchismo de parlamentares investigados contra os agentes públicos interessados em combater os crimes de políticos corruptos, permitindo a punição de juízes e procuradores, por exemplo, por mera questão de interpretação – se a decisão de um juiz de primeira instância fosse revertida em um Tribunal Regional Federal ou em um Tribunal de Justiça estadual, por exemplo, aquele magistrado já poderia estar sujeito a um processo por parte do réu. O chamado “crime de hermenêutica” foi um dos principais alvos de críticas, e já não estava presente na versão aprovada em abril pelo Senado, segundo a qual “A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”. Mesmo assim, o projeto ainda reserva outras armadilhas.

Apesar das alterações feitas no Senado, o projeto ainda reserva outras armadilhas

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Uma delas está no artigo 3.º, que define quem pode propor a ação contra o agente público acusado de abuso de autoridade. Uma das últimas versões de Requião afirmava que essa competência era do Ministério Público, mas que também o ofendido, réu ou investigado, poderia processar juízes, procuradores ou promotores, no que foi visto à época como uma manobra para contornar o princípio do juiz natural. A versão que a Câmara analisa tem uma mudança sutil. Preserva a prerrogativa do MP, mas ainda admite a ação privada (ou seja, movida pelo ofendido) se o MP não agir dentro de determinado prazo. Mesmo neste caso, o MP ainda poderia intervir, até mesmo pedindo ao juiz o encerramento da ação, se julgar ser esse o caso. A alteração deixa o texto menos pior; o ideal seria simplesmente desconsiderar a hipótese de ação penal privada.

De resto, o projeto ainda mantém a prejudicial mistura, que já denunciamos em outras oportunidades, de atos que claramente constituem abuso de autoridade com outras práticas descritas de uma forma (intencionalmente, diríamos) vaga, como a condução coercitiva “manifestamente descabida” – ainda hoje é impossível dissociar este trecho da lei do episódio em que o ex-presidente Lula (acertadamente, diga-se de passagem) teve de prestar depoimento à Polícia Federal em São Paulo, em março de 2016.

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No Senado, o projeto teve apoio suprapartidário: dos 54 senadores que votaram por sua aprovação, em abril, havia parlamentares do PCdoB e do PSB, mas também de PSDB e Democratas, sem falar de partidos afundados no escândalo do petrolão, como o PMDB, o PR, o PP e, claro, o PT. Justiça seja feita, os que votaram “não” ao projeto também compunham espectro político-partidário igualmente amplo, mas foram insuficientes para barrar o texto, mostrando que há uma “bancada da Lava Jato” com força para aprovar medidas que dificultem a vida dos que trabalham contra a corrupção, seguindo o roteiro da Itália pós-Mãos Limpas. Esse grupo, que ganhou um round no Senado, não pode prevalecer mais uma vez na Câmara.

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