O plenário do Senado aprovou na quarta-feira, em primeira votação, proposta de emenda constitucional que estabelece uma cláusula de desempenho (também chamada “cláusula de barreira”) para partidos políticos. Segundo o texto, só terão acesso ao Fundo Partidário, ao tempo de propaganda em rádio e televisão e à estrutura administrativa no Congresso as legendas que conseguirem pelo menos 2% dos votos válidos para a Câmara em no mínimo 14 unidades da Federação – a partir de 2022, a exigência sobe para 3%. Trata-se de um bom começo para uma autêntica reforma partidária no país – mas apenas um começo.
A proposta respeita o mérito individual, pois os eleitos filiados a partidos que não atingirem o porcentual não ficam privados do cargo. Neste aspecto, esta cláusula de barreira é mais branda que a existente em países como a Alemanha, onde o tradicional Partido Democrático Liberal ficou de fora do Parlamento em 2013 por não atingir 5% dos votos totais. Mas o mais importante é defender a noção de que o acesso ilimitado a recursos públicos para legendas que não representam parcela relevante da sociedade tem de acabar.
É preciso desburocratizar a criação de legendas, tornando-a simples
A repercussão e as declarações de políticos durante a votação da PEC, no entanto, parecem ignorar a verdadeira questão. O problema não é o excesso de partidos no Brasil, e sim as graves distorções no que diz respeito à representação. Nosso sistema é o oposto do ideal: a legislação cria toda sorte de dificuldades para a criação de legendas, mas, uma vez superadas as enormes barreiras legais, o mero fato de a sigla existir lhe garante generosas benesses, como a participação no Fundo Partidário e no tempo de rádio e televisão, tudo custeado pelo contribuinte. Qualquer reforma partidária terá de atacar necessariamente esses dois temas, mas a PEC ora no Senado trata apenas da segunda distorção.
A garantia democrática de liberdade de associação precisa ser um dos fundamentos das normas sobre a criação de partidos no país. Hoje, entretanto, a Lei 9.096/1995 traz uma série de exigências para se criar legendas. A principal delas é a coleta de uma enorme quantidade de assinaturas, uma regra bastante questionável. Por que exigir o apoio de quase meio milhão de eleitores para criar um partido? Os princípios inscritos na Constituição, como o respeito à democracia, ao pluripartidarismo e à liberdade para livre associação, deveriam bastar para que pessoas com propósitos comuns pudessem criar partidos. É preciso desburocratizar a criação de legendas, tornando-a simples e sem maiores exigências que as constantes no artigo 17 do texto constitucional, que determina, entre outros dispositivos, a prestação de contas periódica à Justiça Eleitoral.
Ao mesmo tempo em que facilitaria a criação de partidos, uma reforma bem elaborada incluiria mecanismos como o que agora tramita no Senado, que privilegiem os partidos que se comprovem representativos de ao menos uma parte significativa da população. As regras atuais têm o grave problema de conceder benefícios de forma indiscriminada a todos os partidos existentes. Isso fez proliferar o clientelismo, com dirigentes transformando siglas inexpressivas em negócios pessoais, exacerbando práticas fisiológicas, ganhando e barganhando acesso a recursos de Fundo Partidário e tempo de rádio e televisão. Uma situação completamente descabida.
Resta a situação de legendas pequenas, mas de caráter ideológico, que não merecem de forma alguma a identificação com partidos de aluguel. Para elas, vale o mesmo raciocínio segundo o qual primeiro precisam se mostrar representativas para depois contarem com algum tipo de recurso público. E, enquanto isso não ocorre, esses partidos poderão se unir em “federações”, mecanismo previsto na PEC para contemplar esses casos.
É importante, assim, que o projeto de cláusula de barreira avance no Congresso, mas não se pode ignorar a necessidade de outras reformas para garantir melhorias reais no funcionamento da democracia brasileira.
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