Finalmente o Supremo Tribunal Federal terá a chance de se pronunciar de forma definitiva sobre o auxílio-moradia recebido por magistrados em todo o país. O ministro Luís Roberto Barroso liberou para julgamento um processo sobre o tema, superando a inatividade do colega Luiz Fux, autor da mais recente decisão monocrática sobre o assunto.
O processo relatado por Barroso foi a primeira tentativa da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) de obter o benefício, em 2010. Na ocasião, o então presidente do STF, Joaquim Barbosa, negou liminarmente a concessão do privilégio. Isso levou a Ajufe a mover uma segunda ação, na qual o benefício foi inicialmente autorizado, em caráter liminar, por Fux, em 2014. Ambas as decisões, no entanto, ainda careciam da análise do pleno do STF. Fux nunca chegou a liberar o processo para julgamento e, com a aposentadoria de Barbosa, o ministro Barroso herdou a relatoria da primeira ação, fazendo o que Fux não fez. A posição de Barroso é conhecida: em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, disse ser “contra todos os interesses corporativos, inclusive os do Judiciário, inclusive todos os penduricalhos que os juízes ganham”. São tantos, diz ele, que “nem o Tribunal de Contas consegue saber quanto ganham os juízes”.
Os argumentos para se opor ao auxílio-moradia são das mais diversas ordens
Se acatado pela maioria, o relatório de Barroso poderá dar fim a um inaceitável privilégio que engorda subsídios não só de juízes, mas também de outros agentes públicos, graças a um “efeito cascata” que não tardou: por uma questão de isonomia, também promotores e procuradores, além de conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais, também incorporaram a verba a seus subsídios, recebendo um suplemento de R$ 4,3 mil mensais, o que significa uma carga extra de quase R$ 1 bilhão por ano para os cofres públicos.
Os argumentos para se opor ao auxílio-moradia são das mais diversas ordens. Um deles é de natureza econômica, fator importante sobretudo neste momento de crise nas contas públicas. Não é plausível que os subsídios – muitas vezes já próximos do teto do funcionalismo – sejam acrescidos, à custa dos já sacrificados contribuintes, de um auxílio que equivale a mais de quatro salários mínimos. Não custa, neste ponto, lembrar que 15% da população economicamente ativa do Brasil sobrevive com apenas um salário mínimo.
Isso não significa, no entanto, que o auxílio seria aceitável em tempos de vacas gordas. Ele continuaria sendo imoral, promovendo um descolamento entre os magistrados e a realidade brasileira em nome de uma conveniência pessoal que passa, é preciso dizer, pela tentativa de obter por vias tortas a recomposição de perdas causadas pela defasagem nos reajustes dos juízes em comparação com a inflação. O auxílio-moradia é uma concessão triste ao corporativismo.
Mas, tratando-se de julgamento pelo STF, que é a corte constitucional brasileira, bastaria analisar o que afirma a Constituição. Seu artigo 39 é cristalino: “o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de Estado e os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”. Penduricalhos como o auxílio-moradia são, portanto, vetados pela Constituição, que obviamente se sobrepõe à Lei Orgânica da Magistratura, usada como base legal para a concessão do auxílio, mas que é legislação infraconstitucional e anterior à Carta Magna de 1988. A maneira como o auxílio é concedido, inclusive – indiscriminadamente, a todos os magistrados, mesmo com residência própria na cidade onde trabalham, e com valor fixado previamente –, afasta qualquer alegação de que o benefício teria caráter indenizatório.
O STF tem a chance de dizer um enfático “não” ao corporativismo. Que o faça guiado não apenas pela possibilidade de retirar munição daqueles (como o senador Renan Calheiros) que usam tais privilégios para desmoralizar o Judiciário e tirar-lhe legitimidade e seriedade no combate à corrupção, mas por um legítimo senso de responsabilidade para com a coisa pública.
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