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editorial

O Brasil de volta às ruas

A população deve voltar às ruas neste domingo, em nova manifestação contra a presidente Dilma Rousseff e as políticas petistas. O protesto anterior, de 15 de março, superou as expectativas até mesmo dos organizadores mais otimistas, com números avassaladores, como o de 1 milhão de manifestantes em São Paulo e os 80 mil de Curitiba. Isso transforma em mero chute qualquer previsão a respeito da dimensão da mobilização deste domingo. Os responsáveis prometem, nas mídias sociais, que “vai ser maior”; o petismo e seus aliados torcem por uma presença menor e, se isso realmente acontecer, não surpreenderia que viessem a público cantar vitória, ignorando que jamais conseguiram colocar na rua um contingente semelhante – basta observar as duas passeatas pró-governo organizadas em 13 de março e 7 de abril.

Independentemente dos números, no entanto, as atitudes do governo após o 15 de março mostraram que o Planalto não deu importância a nada daquilo que levou milhões às ruas. Desde a reação inicial, com entrevista dos ministros José Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto, a estratégia foi a do avestruz. Tentou-se passar a versão de que a indignação da população se voltava genericamente contra “a corrupção”. De fato, os escândalos foram uma espécie de gota d’água, especialmente quando se considera que petistas graúdos colocaram a corrupção a serviço do partido, como vem ocorrendo desde o mensalão; mas resumir o clamor popular à revolta contra a corrupção, ainda que apenas a “corrupção do PT”, é deixar de fora outros elementos importantes.

Resumir o clamor popular à revolta contra a corrupção, ainda que apenas a “corrupção do PT”, é deixar de fora outros elementos importantes

As promessas de diálogo feitas logo após o dia 15 não se concretizaram, o que não surpreende. Em junho de 2013, Dilma só chamou para conversar os grupos que já lhe eram simpáticos, e não haveria por que ser diferente agora. A presidente direcionou seus afagos ao MST, o “exército de Stédile”, prestigiando um evento da organização poucos dias depois de os sem-terra terem organizado uma série de invasões e bloqueios, com destruição de pesquisas. A cumplicidade com entidades que desrespeitam direitos básicos foi um componente importante da pauta das manifestações do dia 15 de março, que o Planalto também fez questão de ignorar.

As passeatas ainda criticaram o alinhamento brasileiro ao que há de pior na América Latina em termos de desrespeito aos valores democráticos. Dilma também não mudou sua postura nesse aspecto. Vieram as denúncias de que o Mais Médicos, na verdade, era uma operação com o objetivo primário de fornecer dinheiro à ditadura cubana, com seus profissionais sujeitos a medidas restritivas que forçam a permanência deles ou de suas famílias em Cuba. O governo preferiu calar sobre as denúncias.

Na Venezuela, a ditadura de Nicolás Maduro prende opositores arbitrariamente, sob o silêncio do Planalto e do Itamaraty. A presidente Dilma disse a representantes da Frente Nacional de Prefeitos, na quarta-feira passada (às vésperas da Cúpula das Américas, portanto), que recebeu um telefonema de Maduro sobre as rusgas entre Venezuela e Estados Unidos, e que integrava a “turma do deixa disso”. Uma nota oficial do governo ainda informou que Dilma pretendia “fortalecer o diálogo entre o governo e as oposições venezuelanas nos marcos do Estado Democrático de Direito daquele país”, como se ainda houvesse democracia na Venezuela, e como se Maduro realmente estivesse disposto a dialogar. Em entrevista à CNN antes da Cúpula das Américas, Dilma até deixou escapar um “que os presos sejam soltos”, mas, quando indagada sobre os casos de Leopoldo López e Antonio Ledezma, voltou ao padrão e disse que devia “respeitar a autodeterminação” venezuelana. Ser do “deixa disso” quando opositores são encarcerados só por serem opositores é se tornar cúmplice das arbitrariedades.

Apesar disso tudo, o governo segue julgando que seu comportamento é acertado, como mostrou um documento da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, vazado para a imprensa. O tom do texto, escrito já depois da passeata, era o de que os problemas não estavam na maneira como o PT e Dilma conduzem o país, mas na comunicação destas ações. A imprensa quase ignorou a confissão escancarada do uso de uma rede de blogs alinhados com o petismo para fazer o jogo sujo, atirando com munição proporcionada pelo governo.

Um dos grupos organizadores da manifestação deste domingo adotou o slogan “eles não entenderam nada”, em referência justamente a esse descolamento entre as reivindicações das ruas e a resposta do governo. Mas é de se questionar se realmente Dilma e seus auxiliares não entenderam o recado passado pelos protestos, ou se o entenderam muito bem e o desprezaram por ser diametralmente contrário a seus próprios planos. Em qualquer um dos casos, os brasileiros têm muitas razões para voltar a ocupar as ruas neste domingo.

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