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Editorial

O Brasil não aceita a anistia

 | Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
(Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

O substitutivo do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) ao projeto de lei das Dez Medidas Contra a Corrupção sobreviveu à comissão especial que analisou o texto. É preciso usar este verbo, pois houve uma forte mobilização para tentar desfigurar o projeto, com substituições de membros da comissão e apresentação de votos em separado que atenuavam o conteúdo do pacote antirroubalheira. Houve alterações, é verdade, mas o texto enviado ao plenário manteve boa parte do espírito que moveu o MPF e os 2 milhões de brasileiros que apoiaram o projeto com suas assinaturas.

Espírito este, no entanto, bem diferente daquele que movia líderes partidários e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Enquanto a comissão especial ainda discutia o substitutivo, aprovado em uma sessão encerrada apenas na madrugada desta quinta-feira, Maia e os partidos tramaram o golpe na democracia que pretendiam dar. A comissão especial, para onde convergiam os holofotes, não incluiria no projeto a anistia explícita ao crime de caixa dois; essa tarefa ficaria para o plenário da Câmara, que votaria as Dez Medidas em regime de urgência, se possível de forma simbólica, ou seja, sem votação nominal, o que pouparia os deputados do desgaste político de terem apoiado o perdão à ladroagem eleitoral. Seria o crime perfeito, sem rastro nem digital. Se tudo desse certo, previa-se até que o projeto de lei tramitaria em tempo recorde, sendo votado na Câmara e no Senado em um único dia, estando na mesa de Michel Temer para sanção na mesma noite.

O desespero dos deputados que querem a anistia tem sobrenome: Odebrecht

Maia abriu a sessão desta quinta e, convenientemente, deixou o plenário para seguir reunido com líderes partidários. Tudo corria como planejado: a maioria dos deputados, alheia à indignação popular, aprovou o regime de urgência e rejeitou um requerimento para que todas as votações do dia fossem nominais. Até já corria pela Câmara o texto da emenda que consagraria a anistia, atribuído ao líder do PP, Aguinaldo Ribeiro, e aos petistas Vicente Cândido e José Guimarães. Mas ficou claro que a trama urdida nas sombras do Congresso não iria adiante sem que houvesse muito barulho dos deputados contrários à manobra. Alegando “falta de consenso”, o presidente da Câmara anunciou o adiamento da votação para a próxima terça-feira.

Ao explicar o adiamento, Maia adotou uma postura nitidamente cínica que mostra seu apoio ao acinte que se pretendia aprovar na Câmara. “Não há anistia de um crime que não existe. Isso é só um jogo de palavras para desmoralizar e enfraquecer o parlamento brasileiro”, disse. Mentira: o artigo 350 do Código Eleitoral já contempla o caixa dois. Não se pode dizer que o crime não existe; o que o projeto das Dez Medidas faz é apenas aperfeiçoar sua definição. Afinal, se a situação fosse tão clara quanto Maia quer fazer parecer, bastaria votar o texto como proposto por Lorenzoni e a anistia seria automática. Mas os deputados sabem que não é bem assim, e por isso querem explicitar o perdão para que não reste qualquer dúvida.

Isso mostra o tamanho do absurdo que se observou na Câmara: os parlamentares quiseram deixar a impunidade escancarada, escrita na lei. É a própria negação de tudo o que representam as Dez Medidas, de tudo o que a sociedade brasileira espera, de tudo em que consiste a democracia. Os deputados se acharam acima da lei – mais que isso, donos da lei.

Uma atitude movida por arrogância, mas também por desespero – um desespero que tem sobrenome: Odebrecht. Quase 80 executivos da empreiteira, inclusive seus donos, Emílio e Marcelo Odebrecht, contarão tudo o que sabem em delação premiada. E eles sabem muito, a ponto de a colaboração ter sido apelidada de “delação do fim do mundo”. Centenas de políticos de alto escalão estariam na lista do departamento de propinas da empresa. A anistia ao caixa dois pode não salvar todos os envolvidos de todas as acusações, mas ajudaria a atenuar os possíveis efeitos da delação.

Em uma hora como esta, é impossível não recordar do dia em que Dilma Rousseff anunciou que o ex-presidente Lula seria seu ministro-chefe da Casa Civil. A reação popular, naquela ocasião, foi instantânea. Que ela inspire o Brasil neste momento, pois o acinte foi apenas adiado. Os deputados não desistirão, e voltarão à carga terça-feira. Será o dia de mostrar, com todas as forças, que o Brasil não aceita essa anistia.

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