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 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP

A desfaçatez tomou conta do Tribunal Superior Eleitoral nestes últimos dias, em que foi decidido o destino da chapa vencedora da eleição presidencial de 2014, formada por Dilma Rousseff e Michel Temer. Pelo placar de quatro votos a três, a dupla se salvou da cassação – que, no caso de Dilma, já removida da Presidência pelo impeachment, significaria a suspensão de seus direitos políticos e, no caso de Temer, representaria sua saída do Planalto, caso não fosse capaz de reverter a decisão com recursos. Ao rejeitar o relatório de Herman Benjamin, os ministros Napoleão Maia, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira e Gilmar Mendes tomaram uma decisão baseada na conveniência, e não nos fatos. Assim, deram um golpe duro em quem deseja ver restaurada a moralidade na política e nos processos eleitorais.

O abuso de poder econômico realizado pela chapa Dilma-Temer em 2014 ficou amplamente documentado no relatório e no voto de Benjamin. Mesmo com a rejeição – inexplicável, diga-se de passagem – de parte dos elementos levantados durante o processo, ainda sobravam elementos mais que suficientes para cassar a chapa, que teve sua campanha irrigada com dinheiro de corrupção vindo principalmente da empreiteira Odebrecht, mas também de outras fontes, incluindo uma “propina-poupança” feita de sobras de recursos ilícitos de campanhas anteriores, e que foram usadas em 2014. Incrivelmente, no entanto, houve quem não visse evidência nenhuma de abuso de poder econômico.

Ninguém admitirá, é claro, que votou mais para preservar uma governabilidade capenga que para fazer justiça

Benjamin não foi magistral apenas em expor, de forma técnica, os argumentos pela cassação da chapa. O relator ainda fez um trabalho notável ao desmontar a argumentação de seu principal antagonista no julgamento, o presidente da corte, Gilmar Mendes, usando textos do próprio Mendes. Benjamin lembrou, por exemplo, o episódio em que Mendes pediu vista do processo após a primeira relatora do caso, Maria Thereza Moura, recomendar seu arquivamento alegando que o PSDB, autor da ação, tinha acrescentado novos elementos. O ministro pediu tempo justamente para fazer atualizações com novas descobertas da Lava Jato. Quando devolveu o processo à corte, fez voto divergente ao de Maria Thereza e sua tese prevaleceu. Mas isso era em 2015, quando Dilma era a presidente. Aparentemente, algo mudou depois da posse de Michel Temer, pois o Gilmar Mendes de 2017 já não pensa como o de 2015.

Na verdade, o Gilmar Mendes de junho de 2017 discorda até mesmo do Gilmar Mendes de abril de 2017 – na ocasião, o julgamento foi suspenso em decisão unânime para que fossem ouvidas novas testemunhas, incluindo o casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Mas agora o depoimento deles não conta (assim como outras provas coletadas durante o processo), e Mendes diz que a intenção era apenas “aprender” sobre o funcionamento das campanhas eleitorais no país. Ora, para isso não era preciso levar ninguém ao tribunal para ser ouvido pelos ministros: bastaria que eles lessem diariamente os jornais, e o aprendizado seria ainda mais extenso.

Leia também:O TSE não deve cassar Temer (artigo de Luiz Fernando Pereira, publicado em 5 de junho de 2017)

O “aprendizado” foi apenas um dos argumentos bizarros usados pelos quatro ministros que defenderam a chapa Dilma-Temer. Mendes recorreu a um personagem de Monteiro Lobato para argumentar que a cassação bagunçaria o país, como se o caos não adviesse da impunidade, e sim da justiça. Mas o campeão das explicações surreais foi Admar Gonzaga, que alegou a experiência pessoal de não checar a conta bancária para defender que candidatos não seriam culpáveis por ignorar eventuais entradas ilegais de dinheiro em suas campanhas, e afirmou que o processo se dedicava a examinar apenas o uso de caixa 1, e não de caixa 2. Gonzaga e Maia chegaram ao cúmulo de dizer (ainda que não com essas exatas palavras) que abuso de poder político existe em toda eleição, e por isso não seria razão suficiente para cassar uma chapa; e que, como bem se sabe que muitos candidatos e partidos estão sujos, punir apenas uns poucos seria injusto. É incrível que um ministro de tribunal superior exiba esse tipo de argumento sem ruborizar.

Ninguém admitirá, é claro, que votou mais para preservar uma governabilidade capenga que para fazer justiça. Mas o fato é que o TSE resolveu, sim, premiar a corrupção em um julgamento que tinha tudo para ser um marco de fortalecimento institucional, para mostrar que a lei vale para todos, até mesmo para os presidentes da República. Assim, continua em vigor a avaliação de Gilmar Mendes (aquele de 2015, não o de hoje): o TSE é um tribunal valente contra prefeitos de interior e governadores do Norte e Nordeste, mas tímido quando se trata de aplicar a mesma lei a situações iguais ocorridas, por exemplo, em capitais, no eixo Sul-Sudeste e, agora sabemos, na disputa eleitoral mais importante do país – e que, por isso mesmo, deveria ser a mais limpa, a mais exemplar, mas agora conta com um aval da Justiça Eleitoral para manter práticas nefastas que são um golpe na democracia.

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