A décima edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta-feira, mostrou que cresceu a concordância da população com a afirmação “bandido bom é bandido morto”. Agora, segundo pesquisa Datafolha, são 57% os que concordam com a frase, contra 50% em mesma pesquisa feita no ano passado – com uma diferença significativa: enquanto em 2015 o levantamento foi feito apenas em cidades com mais de 100 mil habitantes, a pesquisa deste ano foi mais abrangente, e é justamente nas cidades menores que mais cresce o apoio a essa afirmação. Outros recortes mostram que há mais concordância com a frase entre os homens (60%), os que têm nível de ensino fundamental (62%), brasileiros acima de 60 anos (61%) e moradores das regiões Norte e Sul do país (61%).
O que esses dados significam? Em vez do povo cordato, simpático e feliz retratado mundo afora, seria o brasileiro um sádico vingativo, um primitivo defensor da aplicação do “olho por olho” contra os criminosos? Ou a afirmação reflete, no fundo, um grito de socorro contra toda uma política de segurança que não lhe garante o direito de sair de casa sem medo de se tornar mais uma vítima?
É a desconfiança nas instituições que leva a população a crer que só a eliminação física do criminoso resolve o problema
Em geral, o brasileiro se vê desamparado diante da violência urbana pois há várias camadas em que a impunidade pode acabar prevalecendo. Quando há o crime, nem sempre a polícia o investiga; quando investiga o crime, nem sempre o soluciona; quando o soluciona, nem sempre o culpado é preso; quando é preso, nem sempre ele é julgado pela Justiça; quando o culpado se torna réu, nem sempre é condenado; e, por fim, quando é condenado, o bandido nem sempre cumpre a totalidade da pena: fica pouco tempo na cadeia ou ordena crimes de dentro da própria unidade prisional. Em 2013, a Gazeta do Povo publicou a série de reportagens “Crime sem Castigo”, mostrando que 77% dos homicídios cometidos em Curitiba entre 2004 e 2013 estavam sem solução e que só houve condenação judicial dos responsáveis por 4% desses crimes. Se a impunidade é a regra nos casos de homicídio, o que dizer do roubo, do furto, do sequestro-relâmpago? Não é à toa que muitos dizem nem se preocupar em reportar certos crimes à polícia por saber que a chance de o criminoso ser pego é ínfima.
É nesse ambiente, em que 85% dos entrevistados dizem ter medo de ser vítima de criminosos (e 76% têm medo de morrer assassinados) e apenas metade da população acredita na eficiência das polícias Civil e Militar, que aflora a noção de que a solução para a criminalidade está ou em penas mais severas ou em atitudes que ficam à margem do aparato legal – a pesquisa não detalha se, para os entrevistados, o “bandido morto” deve sê-lo pela via institucional, com a adoção da pena de morte, ou por meio de execuções extrajudiciais. A barbárie desta última solução é evidente, mas também o endurecimento das penas pouco fará pela população se os índices de solução de crimes continuarem nos patamares medíocres de hoje.
O que o brasileiro deseja, no fundo, é o fim da impunidade que permite a um bandido seguir aterrorizando a população – é a desconfiança nas instituições que leva a população a crer que só a eliminação física do criminoso resolve o problema. Nada mais enganoso. Como já alertou, no século 18, o italiano Cesare Beccaria no seu clássico Dos delitos e das penas, “a perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade” – em outras palavras, o que freia o bandido não é a severidade da pena, mas a certeza da punição. E esta só virá com a melhoria das polícias (apenas 29% dos entrevistados pelo Datafolha consideram que elas têm boas condições de trabalho), celeridade na Justiça e um Código Penal que estabeleça a proporcionalidade entre crimes e punições. Em um país onde as forças de segurança solucionam crimes, o Judiciário pune corretamente e o sistema prisional funciona a contento, sobra pouco espaço para o “bandido bom é bandido morto”.
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