O Brasil de Lula já deixou clara sua intenção de esnobar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O processo de adesão do Brasil estava bem encaminhado, mas, como se tratava de algo conduzido nos dois governos anteriores, o lulopetismo automaticamente ativou o “modo destruição” que vem aplicando a tudo o que tenha sido herdado dos antecessores não petistas de Lula, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Neste caso, o rechaço ainda vem a calhar, porque a organização estimula seus membros a adotar boas práticas de governança, abertura comercial, responsabilidade fiscal, liberdade econômica e combate sério à corrupção – tudo aquilo que o petismo despreza.
Justamente por tudo aquilo que a OCDE fomenta, vale a pena prestar atenção quando a entidade se pronuncia sobre o Brasil, até porque, a despeito do desprezo petista pela organização, o país é signatário de alguns instrumentos normativos importantes, como a Convenção Contra o Suborno Transnacional. O grupo de trabalho que monitora a aplicação destas normas acaba de publicar um extenso relatório sobre o Brasil, em que elogia o trabalho da Operação Lava Jato e demonstra especial preocupação com uma decisão monocrática do Supremo Tribunal Federal: aquela em que o ministro Dias Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht. A OCDE alerta para “possíveis consequências dessa decisão na capacidade do Brasil de fornecer e obter assistência jurídica mútua em casos de suborno estrangeiro”, entre outras consequências deletérias da canetada suprema.
A anulação das provas fornecidas pela Odebrecht não foi apenas uma decisão ruim, repleta de ataques infundados à Lava Jato, mas uma decisão cujo núcleo está irremediavelmente contaminado, pois se apoiava em informações que se demonstraram falsas
Um mês e meio depois da liminar, ela ainda não foi julgada em plenário – o que acaba servindo para reforçar o coro dos parlamentares que desejam estabelecer regras mais rígidas para decisões monocráticas na corte –, isso apesar de já se saber que Toffoli se apoiou em informações falsas a respeito da integridade dos sistemas informatizados em que a empreiteira registrava suas propinas, bem como da participação dos órgãos brasileiros responsáveis por validar cooperações internacionais. Em outras palavras, não se trata apenas de uma decisão ruim, repleta de ataques gratuitos e infundados à Lava Jato, mas uma decisão cujo núcleo está irremediavelmente contaminado, já que, ao contrário do que alegava Toffoli, os acordos de cooperação internacional foram devidamente validados por quem deveria fazê-lo, e a integridade das provas foi atestada por quem deveria atestá-la. É um escândalo que um absurdo desses ainda permaneça em pé, com todas as suas consequências em termos de impunidade.
Isso mostra que, mesmo que o Brasil ainda estivesse disposto a entrar na OCDE, a organização teria de pensar muitas vezes antes de aceitar um país onde o combate à corrupção coleciona retrocesso atrás de retrocesso desde 2019. O fim da prisão após condenação em segunda instância – decisão a respeito da qual a OCDE já havia manifestado preocupação – foi o marco inicial da desconstrução da Lava Jato e das esperanças que o Brasil nutriu a respeito do fim da impunidade dos “peixes grandes”. Desde então, ministros do STF anularam processos que haviam seguido à risca os códigos processuais, inventaram nulidades e suspeições, reverteram jurisprudência definida pela própria corte, sempre em benefício daqueles contra os quais a Lava Jato havia reunido um extenso e robusto conjunto de provas, coletadas sempre dentro da lei.
“Os três mesmos de sempre (...) mandam uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção. (...) objetivamente, não estou dizendo que estão mal-intencionados, estou dizendo que objetivamente mandam uma mensagem de leniência”, disse o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato no MPF, Deltan Dallagnol, a uma rádio em 2018, comentando decisões do Supremo. Um dos “três mesmos de sempre” não gostou da referência e abriu uma reclamação no Conselho Nacional do Ministério Público, reclamação esta que gerou um processo disciplinar no qual Dallagnol foi condenado, apesar de ele ter apenas exercido uma liberdade de expressão garantida pela Constituição e pela Lei Orgânica do Ministério Público. O autor da queixa? Dias Toffoli. Pois o tempo mostrou que o agora ex-procurador e ex-deputado federal estava coberto de razão, e não só isso: a “mensagem de leniência” já chegou aos ouvidos do mundo inteiro, como acaba de atestar a OCDE.