A prioridade não é salvar o país. A prioridade é devolver à presidente Dilma Rousseff a popularidade perdida e afastar a ameaça do impeachment. Para conseguir os dois objetivos, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, abriu para o público nos últimos dias o livro de receitas com os ingredientes que o governo já começou a usar.
Wagner deu duas entrevistas reveladoras: uma ao jornal Folha de S.Paulo e outra a uma rádio de Salvador (BA). Nelas, o ministro confirma tudo o que já havíamos previsto sobre a demissão do ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Wagner acusou Levy de ser obcecado pelo equilíbrio fiscal e de ter exagerado na dose dos remédios que vinha aplicando para recuperá-lo, o que, por fim, se transformou num veneno que levou ao chão a economia – e, com ela, a popularidade da presidente.
Wagner inventa uma oposição falsa e absurda entre responsabilidade fiscal e cuidado com o cidadão
É a acusação preferida do petismo e dos movimentos sociais: jogar a culpa da recessão em Levy ignorando que o caos econômico se instalou graças às decisões tomadas antes da posse de Levy ou à sua revelia, nas inúmeras batalhas que perdeu para seu sucessor, Nelson Barbosa. A culpa, na realidade, é da “nova matriz econômica” que os governos petistas – com ênfase no primeiro mandato de Dilma – puseram em prática e cujos resultados todos conhecemos: descontrole fiscal, inflação em disparada, recessão prolongada, desemprego em massa, desmonte dos serviços públicos básicos...
Para defender sua tese, Wagner inventa uma oposição falsa e absurda entre responsabilidade fiscal e cuidado com o cidadão, insinuando que levar adiante as medidas de austeridade faria com que brasileiros morressem nos hospitais ou vítimas de desastres como secas e enchentes. Ora, em um país que arrecadou R$ 2,1 trilhões em 2015 o que não falta é dinheiro para combater as nossas mazelas. Se esse dinheiro não aparece, não é por causa da responsabilidade fiscal, mas de seu oposto: da gastança, da corrupção, do inchaço da máquina pública que Dilma insiste em manter.
Desses raciocínios lançados pelo ministro se conclui que o governo optará por medidas expansionistas que já se prenunciam, como os novos estímulos à construção civil para recuperar os 500 mil empregos que o setor fechou nos últimos dois anos. Corremos, assim, o risco de um novo “voo de galinha”, curto e baixo, tão somente para impressionar os incautos, dando-lhes a sensação de que o país está retomando o caminho da prosperidade.
É assim que o governo espera brecar o movimento pró-impeachment, um tema que Wagner trata com característica soberba. Segundo o ministro, a mobilização pelo impedimento não passaria de coisa de maus perdedores, que recorreram ao “tapetão” porque em campo (ou seja, nas urnas) o resultado lhes foi desfavorável. Wagner não tem o menor pudor de recorrer a esse espantalho apesar de todas as provas jurídicas e técnicas que vieram à luz após o TCU ter recomendado ao Congresso que rejeitasse as contas de Dilma pelas “pedaladas” e outras irregularidades que configuram crime de responsabilidade. Quanto a isso, Wagner ignora o parecer dos técnicos do TCU para dar ares de autoridade suprema ao canhestro parecer do senador Acir Gurgacz, que advoga a mesma insustentável tese da regularidade dos procedimentos fiscais.
Não há menção, nas entrevistas do chefe da Casa Civil, a uma eventual vontade política por parte do governo de conter os gastos, de desinchar a máquina pública, de promover reformas estruturais. Só há terceirização de responsabilidades: a culpa por tudo quanto sofre o país hoje não nasceu com o PT. Vem de antes, vem de Joaquim Levy, vem da oposição, vem do financiamento privado de campanhas, vem da crise internacional. É o cinismo em grau elevado.