O sistema de transporte coletivo de Curitiba já há muito tempo vem dando sinais de que os dias de glória ficaram para trás. O curitibano vem deixando de usar o ônibus, que registra queda de passageiros ano após ano – em 2017, o número de usuários caiu 14% no trimestre março-maio, na comparação com o mesmo período de 2016, e não há o menor sinal de que pode haver uma retomada. O que está ocorrendo?
O declínio do ônibus é resultado de uma combinação fatal, da qual um componente é o fortalecimento da concorrência. Desde o fim da década passada, nunca foi tão fácil adquirir um carro novo, graças à oferta abundante de crédito. isso, por si só, já tirou passageiros do sistema. Mas outras modalidades de transporte individual também cresceram nos últimos anos: antes da Copa do Mundo, a prefeitura aumentou em algumas centenas a frota de táxi e, mais recentemente, o surgimento de aplicativos de transporte individual remunerado, como Uber e Cabify, chacoalhou a ordem vigente com um choque de preços que barateou as viagens – dependendo do trajeto e do número de pessoas, usar um aplicativo desses compensava mais que pagar a tarifa do ônibus.
Mais que este ou aquele tipo de veículo ou de infraestrutura urbana, foi o poder de reinvenção que fez do transporte curitibano referência internacional
O transporte coletivo não acompanhou esse movimento, e aqui reside o outro fator que leva o curitibano a fugir do ônibus sempre que pode: o próprio serviço. Em algumas linhas, que agora rodam com menos veículos, o tempo de espera nos pontos aumentou, e os passageiros não têm nem sequer lugar para sentar à espera do ônibus. Demora, atrasos e superlotação continuam a ser reclamação constante dos passageiros, e as preocupações agora incluem o sucateamento da frota, que tem idade média superior à prevista no contrato de licitação, situação provocada pela liminar que desobriga as empresas de investir na substituição dos veículos velhos por carros novos – no fim do ano, quase um terço dos ônibus estará acima do limite permitido de dez anos de vida útil. Por fim, a epidemia de violência urbana chegou de vez ao transporte coletivo, com assaltos, arrastões e até homicídios entrando no cotidiano do usuário de ônibus. O passageiro se pergunta, com toda a razão, se vale a pena pagar uma tarifa que está entre as mais altas do país para receber um serviço de baixa qualidade e correr o risco de se tornar vítima da criminalidade. Quem pode migrar para opções mais confortáveis e seguras não pensa duas vezes.
Além disso, as próprias empresas prestadoras do serviço se encontram em enorme dificuldade financeira – uma delas já está até mesmo em recuperação judicial. Ano após ano, a previsão de demanda feita pela Urbs (e na qual se baseia o cálculo da tarifa técnica) não se concretiza. Com isso, as companhias recebem um valor insuficiente para arcar com todas as despesas listadas no contrato de licitação, inviabilizando investimentos no sistema.
Leia também: A integração temporal e apego ao passado (editorial de 27 de agosto de 2017)
Leia também: Por que o transporte coletivo perde passageiros? (artigo de Lafaiete Neves, publicado em 15 de julho de 2016)
Por fim, o afã de inovação que caracterizou o transporte coletivo curitibano em décadas passadas perdeu força. O leitor terá de fazer esforço para citar alguma mudança importante ocorrida nos últimos dez anos. Em 2011, começou a circular o Ligeirão, de cor azul, com maior capacidade de passageiros. E, em 2014, a cidade ganhou sua primeira faixa exclusiva para os ônibus, na Rua XV de Novembro, seguindo-se outras em corredores importantes da cidade. De resto, nada mais foi feito, e mudanças significativas, como a integração temporal, que permite a troca de linha em qualquer lugar sem que se pague uma segunda passagem, permanecem na gaveta.
Como chegamos a este ponto? Uma situação construída ao longo de anos é reconhecidamente complexa; não há respostas fáceis, e apontar responsabilidades não é nossa intenção neste momento, embora seja preciso fazê-lo mais cedo ou mais tarde. Mais importante é olhar para o futuro. É necessária uma refundação completa do sistema. Gestores, prestadores de serviço, técnicos, especialistas e sociedade civil precisam se envolver e, sem saudosismos, sem apego desmedido a certos ícones, sem encarar as soluções passadas como definitivas, entender que apenas remendar o que já existe é caminho certo para perpetuar o problema. Há de abraçar soluções urbanísticas modernas, tendo em mente que diversas realidades – tecnológicas e comportamentais – vieram para ficar, com todos os seus pontos positivos e negativos. Mais que este ou aquele tipo de veículo ou de infraestrutura urbana, foi o poder de reinvenção que fez do transporte curitibano referência internacional. É hora de recuperar esse ímpeto.
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