Os países nórdicos foram o exemplo mais bem acabado do Estado de Bem-Estar Social que, posteriormente, faliu pela incapacidade de os governos proverem proteção social irrestrita aos seus cidadãos, um mundo ideal que começou a desmoronar quando essas nações perceberam que tinham pouco controle sobre um componente crucial: a demografia.
No ocaso desse paraíso terrestre, o Brasil imaginou poder recriá-lo, estabelecendo, na reforma constitucional de 1998, um pacote de benesses sob o título Seguridade Social, que agrupou três programas distintos – assistência à saúde, assistência social e Previdência Social. Os dois primeiros programas, assistenciais (como diz o próprio nome), são universais, sem necessidade de contribuições e financiados por impostos.
Diferentemente deles, a Previdência Social é o único que é um seguro, portanto com características diferentes: é contributivo, só tem direito quem recolhe contribuições e, de acordo com princípios técnicos mundiais, deve ter equilíbrio financeiro e atuarial, conforme descrito no artigo 201 da Constituição. Ou seja, recebe de aposentadoria exatamente o que recolheu de contribuições. Uma conta de resultado zero. Dogma fundamental copiado da previdência privada.
A Previdência Social jamais será superavitária com o atual desenho
Argumenta-se já há muito tempo que a Previdência Social é deficitária. Nos últimos 20 anos, houve períodos de crescimento econômico e de recessão, como agora. Houve períodos de pleno emprego, como há dois anos atrás, e de alto desemprego, como atualmente. Ora, um problema que se repete em diferentes e opostos cenários não é um problema conjuntural, mas estrutural – e de uma magnitude que não pode ser desconsiderada: em 2014 o déficit foi de R$ 55 bilhões, subindo para R$ 85 bilhões em 2015 e estimado em R$ 146 bilhões neste ano. Só para comparar, todo o orçamento da educação em 2015 foi de R$ 103 bilhões; o da saúde, de R$ 102 bilhões.
E não há esperança de que o quadro previdenciário mude, pois não há como lutar contra a demografia. Se na década de 60 tínhamos uma média de seis filhos por brasileira, hoje ela é de só 1,7. Não existirão mais brasileirinhos em número suficiente para adentrar o mercado de trabalho e recolher ao INSS para financiar aposentadorias de idosos em número crescente e que vivem cada vez mais. Na outra ponta, a das despesas, só nos últimos 13 anos a expectativa de vida ao nascer aumentou cinco anos. A expectativa de sobrevida na idade da aposentadoria, aos 60 anos, segundo o IBGE, é chegar aos 86 anos.
As brasileiras não voltarão mais a ter tantos filhos, a tecnologia não vai deixar de avançar e a Previdência Social jamais será superavitária com o atual desenho.
Mesmo assim, centrais sindicais, outras entidades e especialistas relutam em analisar isoladamente o orçamento da Previdência Social e preferem afirmar que a Seguridade Social – abrangendo os três programas – é superavitária. Ora, o financiamento dessa conta macro da Seguridade Social inclui vários tributos (no passado, foi bancada também pela CPMF) e loterias, além das contribuições sociais exclusivas para o INSS. Seu resultado contábil pode até ser superavitário, mas não há dúvida de que a Previdência Social, que dela faz parte, é estruturalmente deficitária há 20 anos.
Não houvesse o déficit de R$ 146 bilhões só este ano, seria possível mais que dobrar o orçamento do SUS. Muito mais que contrariar dispositivo constitucional, o déficit da Previdência Social suprime recursos fundamentais da camada mais pobre da sociedade brasileira, que precisa de assistência social e assistência à saúde gratuita.
Não é possível cair no artifício contábil de quem chama de “farsa” o déficit da Previdência. Confundir para impedir mudanças inevitáveis é também condenar a Previdência à insolvência e os trabalhadores, à impossibilidade de um dia poderem parar de trabalhar.
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