Como não era muito difícil de imaginar, as negociações entre a oposição venezuelana e o ditador Nicolás Maduro não chegaram a lugar algum, apesar da mediação do Vaticano. Maduro já tinha deixado claro desde o início que não haveria nem antecipação das eleições presidenciais, nem o referendo revogatório previsto pela Constituição elaborada pelos próprios chavistas, e para o qual a oposição já tinha coletado assinaturas suficientes. Sem cumprir os requisitos mínimos de respeito à democracia, o país acabou suspenso do Mercosul, em uma decisão acertada dos demais países-membros.
Diante de um governo que se recusa terminantemente a cumprir preceitos constitucionais, a Assembleia Nacional, que tem maioria oposicionista, declarou, no começo do mês, o “abandono de cargo” por parte de Maduro, o que se encaixaria nos critérios de “falta absoluta” previstos no artigo 233 da Constituição venezuelana. De acordo com o mesmo artigo, se essa “falta absoluta” ocorre nos quatro primeiros anos de mandato, seria necessária uma nova eleição direta – Maduro foi empossado em 19 de abril de 2013.
Tudo o que Maduro deseja é um único ato hostil para culpar a oposição e desencadear uma brutal repressão
Como argumentos para a declaração de abandono, a Assembleia Nacional lembrou que, além de se recusar – não diretamente, mas por meio do subserviente Conselho Nacional Eleitoral, que invalidou arbitrariamente as assinaturas coletadas pela oposição – a realizar o referendo revogatório mesmo com o cumprimento de todas as condições necessárias, Maduro subverteu (mais uma vez) a separação entre os poderes com a intensificação do aparelhamento do Tribunal Supremo de Justiça, a instância máxima do Judiciário do país. A corte tem anulado todas as decisões da Assembleia Nacional que contrariam o governo. E, como não poderia deixar de ser, derrubou também a declaração de abandono de cargo alegando que o Legislativo não tem esse poder, embora ele esteja explicitamente previsto no mesmo artigo 233 da Constituição, quando se refere ao “abandono do cargo, declarado como tal pela Assembleia Nacional”.
Com a ajuda dos tribunais aparelhados, Maduro desafia o parlamento, se apega ao poder e rejeita o diálogo. Para piorar a situação, antes mesmo da decisão da Assembleia Nacional o ditador já havia anunciado a criação de um “comando antigolpe”, liderado pelo novo vice-presidente, o linha-dura Tareck El Aissami, e que inclui “subcomandos” entregues a militares chavistas. Na prática, trata-se de consolidar um Estado policial-militar que dê sustentação ao bolivarianismo – seis opositores foram presos nos primeiros dias de funcionamento da unidade.
Mas o “comando” não parece suficiente. Na terça-feira passada, dia 17, Maduro anunciou que “patriotas cooperantes” (ou seja, civis chavistas) terão funções de inteligência e segurança em uma “Polícia Comunitária” e um “Sistema de Inteligência Popular”. Além disso, serão retomadas manobras militares e policiais batizadas de “Operações para a Libertação Humana do Povo”. O pretexto é o de combater a criminalidade comum, mas não é difícil imaginar aonde Maduro quer chegar – ainda mais sabendo-se que também essa rede estará sob o comando de El Aissami, o chefão “antigolpe”.
Com todos os caminhos de negociação esgotados e um ditador que há muito perdeu a legitimidade para governar a Venezuela, estariam postas as condições para uma revolta popular que restaure a democracia do país. No entanto, a oposição bem sabe que isso geraria um enorme banho de sangue fratricida. E tudo o que Maduro deseja é um único ato hostil para culpar a oposição e desencadear uma brutal repressão, com o apoio de militares e civis bolivarianos devidamente armados contra uma população indefesa. Por mais que o caos econômico, a escassez de recursos básicos, a hiperinflação e a violência urbana desenfreada coloquem a sociedade venezuelana a ponto de explodir, a oposição precisará de muita frieza para conduzir seus próximos passos e conseguir se livrar do chavismo sem mais destruição que aquela provocada pelo “socialismo do século 21”.