É incompreensível que, em um país de dimensões continentais como o Brasil, grandes distâncias para se chegar a centros importantes do interior ainda precisem ser percorridas por estradas, grande parte delas sucateadas e algumas até mesmo intransitáveis. Já se vão 111 anos da sua invenção por Santos Dumont e pelo menos meio século desde sua popularização como meio de transporte, mas mesmo assim o avião ainda não chega a centenas de distantes cidades brasileiras por falta de aeroportos compatíveis com as normas da aviação comercial.
Na contramão do crescimento do transporte aéreo nacional nos últimos dez anos, que saltou de 47 milhões de passageiros/ano para 88 milhões, no mesmo período encolheu o número de cidades atendidas por linhas domésticas: de 180 para 122, segundo levantamento da Anac feito a pedido do jornal O Globo. E, ainda assim, 41 dessas 122 cidades (um terço, portanto) são servidas por uma única empresa aérea, ou seja, não existe concorrência.
A Infraero poderia ser redesenhada para ajudar a iniciativa privada, municípios e estados a gerir aeroportos regionais
Na raiz dessa deficiência estão a precaríssima infraestrutura aeroportuária fora das grandes capitais e a ausência de incentivos para a criação de empresas menores, que possam alimentar o tráfego aéreo regional. As políticas públicas adotadas para o setor não previram incentivos necessários para atrair investimentos na aviação regional, quer sob a forma de eventuais desonerações, quer, sobretudo, para atrair parceiros privados capazes de explorar este desatendido nicho de mercado.
O governo se concentrou nos grandes aeroportos e teve sucesso ao conseguir repassar para a iniciativa privada terminais tão importantes quanto os de Guarulhos (SP), Galeão (RJ), Confins (MG), Fortaleza e Porto Alegre. E aprendeu com as iniciativas: na medida em que diminuiu a participação e influência da estatal Infraero nos empreendimentos, maior foi o interesse dos investidores em participar dos últimos e bem-sucedidos leilões. Agora, aventa-se inclusive a possibilidade de privatizar a Infraero como um todo, inclusive com seus aeroportos rentáveis.
Leia também: A Infraero em apuros (editorial de 29 de agosto de 2015)
Leia também: Protecionismo nos céus (editorial de 28 de janeiro de 2013)
O florescimento da aviação regional depende de uma aplicação correta do princípio da subsidiariedade. Do ponto de vista da infraestrutura, se os grandes aeroportos passarão para as mãos da iniciativa privada, por que ela também não poderia ser responsável pela operação de terminais menores, em polos regionais cujos aeroportos estão hoje abandonados, ou sem a estrutura necessária para atender ao tipo de aeronave empregado pelas companhias aéreas? Se não houver interesse privado, o município poderia assumir a tarefa – como, aliás, já ocorre em algumas cidades. Na incapacidade de a administração municipal manter um terminal, o governo estadual poderia vir em seu socorro, se julgar a importância de ter voos em determinada cidade; e, por sim, no caso de mesmo os estados serem incapazes de bancar a operação, a União poderia atuar. Um redesenho da Infraero, de forma a deixá-la mais distante dos grandes e rentáveis aeroportos para que priorize terminais regionais em cidades estratégicas, mas onde as esferas inferiores são incapazes de agir, poderia ajudar nesse sentido.
E, do ponto de vista da concorrência, o poder público precisa remover amarras ao empreendedorismo, permitindo o surgimento de novos players que priorizem essa malha, levando passageiros e cargas de polos regionais até as capitais ou grandes cidades, que têm maiores aeroportos, atendidos por mais companhias. Do contrário, seguiremos perdendo tempo em nossas rodovias e ferrovias, quando poderíamos estar acumulando ganhos com um transporte mais rápido e eficiente.