Na terça-feira, os deputados fizeram mais uma tentativa de votar a reforma política, e arriscaram alto: decidiram começar pela PEC 77/2003, a menos consensual, em vez de terminar um trabalho já começado, votando os destaques à PEC 282/2016, cujo texto-base já tinha sido aprovado e que encontra apoio mais amplo. A PEC 282, relatada por Shéridan (PSDB-RR), trata da cláusula de barreira e da proibição de coligações; a 77, cujo relator é Vicente Candido (PT-SP), é a que propõe o “distritão” e o bilionário fundo de financiamento de campanhas com dinheiro público.
A PEC 77 dividiu os partidos de forma tão enfática que a proposta não tinha a menor chance de ser aprovada como um texto único. Assim, a Câmara decidiu fatiar o texto e votar item por item. Mesmo assim, o “distritão” continuava emperrado, pois não havia os 308 votos necessários para uma alteração na Constituição. Por diversas vezes o texto esteve perto de ir a votação, mas seus defensores recuavam ao constatar que a ideia naufragaria no plenário. Pressionados pelo calendário – quaisquer mudanças eleitorais, para valerem em 2018, precisam ser aprovadas até o início de outubro deste ano –, no entanto, eles partiram para o tudo ou nada.
Dos pontos mais problemáticos da PEC 77, falta, ainda, enterrar definitivamente o fundo eleitoral
E, como era esperado, o “distritão” foi rejeitado pelos deputados. A proposta não apenas ficou longe dos 308 votos necessários – ela nem mesmo conseguiu maioria simples, perdendo por 238 votos a 205, com uma abstenção. Sem dúvida, uma boa notícia: o “distritão”, desenhado para facilitar a vida de deputados que buscam a reeleição, reduziriam a importância dos partidos (tornando inútil o voto de legenda) e daqueles candidatos que, mesmo sem conseguir se eleger, ajudavam os companheiros de partido ao colaborar para a legenda atingir o quociente eleitoral, necessário para colocar seus candidatos na Câmara ou nas Assembleias Legislativas.
No entanto, a rejeição ao “distritão” causou um dano colateral significativo: caiu também a possibilidade de, a partir de 2022, o Brasil adotar o voto distrital misto, modelo defendido por esta Gazeta do Povo. Isso porque uma única votação decidiu o destino dos dois sistemas. Aqui, os defensores do voto distrital misto perderam uma chance: já que o conteúdo da PEC 77 estava sendo fatiado, não seria possível também desvincular o “distritão” do modelo distrital misto, fazendo duas votações separadas? Por mais problemas que tenha a PEC 77, ela – especialmente após a decisão de separá-la em vários itens – foi o mais próximo que o país chegou de implantar o voto distrital misto, incrementando seu sistema de representação. Agora, qualquer nova tentativa ficará para a próxima legislatura.
Nossas convicções: Voto distrital misto
Leia também: Contagem regressiva para a reforma política (editorial de 3 de setembro de 2017)
Dos pontos mais problemáticos da PEC 77, falta, ainda, enterrar definitivamente o fundo eleitoral bancado com abundante dinheiro público – verba essa que fará falta nos serviços que o cidadão espera receber como contrapartida por seus impostos. No entanto, e apesar da grande rejeição popular à proposta, há a possibilidade de o fundo ser criado por um projeto de lei que tramita no Senado e que exige maioria simples, em vez de surgir via PEC, para a qual é necessário conseguir três quintos dos votos. Crise, desemprego, caos nos serviços públicos, nada importa: os parlamentares jamais desistem dos recursos do contribuinte.
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