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Desde que saiu do poder, nas eleições de 2002, o PSDB nunca havia feito menos de 20% no primeiro turno das eleições presidenciais – o pior desempenho tinha sido o de José Serra, justamente em 2002, quando teve 23,19% dos votos válidos. O partido sempre tinha assumido o lado antipetista do duopólio partidário que dominou a política brasileira desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas naufragou de forma catastrófica neste primeiro turno de 2018. A legenda não fez nenhum governador no primeiro turno, embora possa manter São Paulo com João Doria; viu suas bancadas no Senado e na Câmara reduzidas; e, acima de tudo, seu candidato à Presidência, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, amargou meros 4,76% dos votos válidos no primeiro turno, apesar da ampla coligação construída e do maior tempo de televisão entre todos os candidatos ao Planalto. Um fracasso que se manifestou de forma repentina, mas que vinha sendo gestado logo que os tucanos deixaram o Planalto.

Lula assumiu a Presidência lançando imediatamente o discurso da “herança maldita” que havia recebido de Fernando Henrique Cardoso. Inexplicavelmente, os tucanos se amedrontaram, em vez de confrontar o discurso lulista com a verdade: o PSDB havia promovido a estabilização da moeda com o Plano Real, quando FHC ainda era ministro de Itamar Franco; aprovara a Lei de Responsabilidade Fiscal; havia criado os programas sociais que o petismo reuniria no Bolsa Família; e havia realizado privatizações que, se não tornaram perfeitos os serviços concedidos à iniciativa privada, ampliaram e muito o acesso do brasileiro a itens como telefonia. O PT havia votado contra o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas os tucanos não fizeram questão de lembrar o país disso. A vergonha de defender o legado de FHC era tanta que, em 2006, o mesmo Geraldo Alckmin chegou a aparecer, na campanha presidencial em que foi derrotado por Lula, com uma jaqueta recheada de logomarcas de estatais, prometendo que não privatizaria mais nada.

Diante da retórica da “herança maldita”, os tucanos se amedrontaram, em vez de confrontar o discurso lulista com a verdade

Aliás, Alckmin só teve Lula como adversário em 2006 graças à tibieza de seu partido. No ano anterior, Roberto Jefferson havia denunciado ao país o esquema do mensalão, o primeiro golpe petista contra a democracia, com a distribuição de dinheiro em troca da fidelidade de bancadas inteiras. Com Lula acuado, o partido tinha todas as condições, inclusive legais, para buscar um processo de impeachment, mas optou por apenas desgastá-lo, contando que Lula chegaria enfraquecido à disputa presidencial. Não foi o que ocorreu, e Alckmin conseguiu a proeza de ter menos votos no segundo turno que no primeiro. Hoje, FHC jura não ser o autor da estratégia; fato é que, em março de 2015, o ex-presidente disse ao jornal O Estado de S.Paulo que “impeachment é como bomba atômica, é para dissuadir, não para usar” – felizmente, o Congresso não seguiu seu conselho em 2016.

Some-se a isso a incapacidade do partido em assumir uma posição firme em temas morais. Apesar da conhecidíssima rejeição do brasileiro ao aborto, à ideologia de gênero, à legalização das drogas e a outras bandeiras do ideário da esquerda, o PSDB jamais fez questão se alinhar explicitamente com a sociedade brasileira nesses assuntos (como, aliás, todos os demais partidos, justiça seja feita). Quando, em 2010, o tema do aborto emergiu a ponto de tirar de Dilma Rousseff uma vitória em primeiro turno que parecia certa, isso ocorreu não por mérito do PSDB, mas pela luta corajosa de líderes religiosos como dom Luiz Bergonzini, bispo de Guarulhos (SP), e o pastor Paschoal Piragine, de Curitiba. Até porque, naquela ocasião, o candidato que o PSDB estava oferecendo ao país era José Serra, o ministro da Saúde de FHC que tinha assinado uma norma técnica facilitando o aborto no Sistema Único de Saúde. E, mais recentemente, o próprio Fernando Henrique ganhou notoriedade por defender publicamente a legalização do uso da maconha.

Carlos Ramalhete: Reequilíbrio ideológico (11 de outubro de 2018)

Leia também: A eleição e a importância dos temas morais (editorial de 11 de outubro de 2018)

Em resumo, havia toda uma demanda represada por parte do brasileiro, cansado de ver o PT esticar a corda nos temas morais e de ver seus filhos doutrinados nas escolas, mas que o PSDB jamais atendeu, ganhando o voto antipetista menos pelos próprios méritos e mais por ser a única opção disponível e viável para derrotar o petismo entre 2002 e 2014. Como acabamos de lembrar neste mesmo espaço, quando surgiu um político disposto a assumir essa pauta, o brasileiro o apoiou, ainda que estivesse longe do perfil ideal do candidato à Presidência, e abandonou o PSDB – ainda por cima, enfraquecido por também se ver afundado na Operação Lava Jato, mesmo que não no mesmo nível do PT.

O PSDB continuará relevante no cenário nacional: mesmo reduzidas, suas bancadas ainda são importantes e o partido tem quadros de qualidade. Mas, se não quiser perder ainda mais do que perdeu em 2018, tem de superar a guerra de vaidades interna e decidir para onde quer rumar, e se realmente pretende ser uma voz em que o brasileiro pode confiar, em vez de se portar como oposição tímida ao projeto de poder petista. 

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