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Editorial

O futuro das empreiteiras

O desfecho das investigações da Operação Lava Jato, que busca desvendar os detalhes de um bilionário esquema de propinas na Petrobras, terá impacto não apenas sobre a estatal e os políticos e executivos envolvidos, mas sobre inúmeras obras de infraestrutura que estão sendo realizadas em todo o país. Isso porque muitas delas estão nas mãos das nove grandes empreiteiras sob a lupa da Polícia Federal. Para se ter uma ideia do que está em jogo, as empresas são responsáveis por aeroportos, hidrelétricas, linhas de metrô, estradas e ferrovias, além das obras da própria Petrobras. A relação dessas empresas com o poder público, no presente e no futuro, é um tema delicado e que pede discernimento e ações guiadas pelo bem maior do país, sem análises levianas.

Em condições normais, se for comprovada a responsabilidade das empresas, seja por condenação judicial, seja após processo administrativo, o caminho é claro: elas teriam de ser declaradas inidôneas, sofrendo a penalidade mais grave entre as previstas no artigo 87 da Lei de Licitações (8.666/93). No caso das envolvidas na Lava Jato, o Ministério Público de Contas já se antecipou e, na sexta-feira passada, protocolou pedido para que todas as nove empreiteiras sejam declaradas inidôneas. É mais que evidente que uma empresa inidônea não pode mais fechar nenhum negócio com o poder público, nem se candidatar em novas licitações; a questão que permanece é o destino das demais obras já contratadas e em andamento – inclusive aquelas em cujos contratos foram detectadas fraudes.

O próprio senso comum recomendaria romper toda relação contratual entre a administração pública e uma empresa inidônea. Qualquer pessoa, depois de ter sido lesada no passado, pensaria muitas vezes antes de seguir fazendo negócios com o indivíduo ou a empresa que tenham sido responsáveis pelo dano. E, quando se considera que é o dinheiro do contribuinte que está em jogo, a manutenção de contratos com empresas inidôneas chega a ser inclusive imoral. No entanto, há diversos outros aspectos a ponderar.

O primeiro deles é de natureza jurídica. Como escreveu ontem o advogado e professor Rodrigo Pironti em artigo na Gazeta do Povo, "a Lei de Licitações impõe que sejam mantidas, durante todo o contrato, as condições que habilitaram a empresa a contratar com o poder público", condições essas que incluem o caráter idôneo da empresa. No entanto, a jurisprudência tende a garantir os contratos já firmados. "A declaração de inidoneidade ‘só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento’. Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de ‘licitar ou contratar com a Administração Pública’ (Lei 8.666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução", escreveu, em 2009, o então ministro do Superior Tribunal de Justiça (e hoje ministro do STF) Teori Zavascki. No ano seguinte, o Tribunal de Contas da União reforçou esse entendimento.

O segundo aspecto envolve o princípio da proporcionalidade. Circunstâncias excepcionais justificam que não se paralise uma obra por rompimento de contrato, e há duas condições que precisam existir simultaneamente para a manutenção da relação: se não houvesse nenhuma outra companhia "ficha-limpa" que pudesse realizar a obra de maneira satisfatória; e se os prejuízos com a interrupção superassem em muito os eventuais benefícios (inclusive morais) de uma rescisão e nova licitação. Apenas com essas duas condições satisfeitas, seria permissível a manutenção da relação de trabalho, e ainda assim após uma análise criteriosa e transparente, com explicações claras e convincentes à sociedade, especialmente se o caso em questão fosse de alguma obra em cujo contrato houve irregularidades.

As descobertas da Operação Lava Jato, se confirmadas, oferecem ao país uma oportunidade ímpar de promover uma limpeza geral nessa área, e por isso consideramos que vale a pena ser mais rigoroso. O próprio Zavascki, na decisão que citamos, oferece uma saída: "A ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da administração pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas". Que isso seja feito com rigor, mas também com cuidado e critério para evitar que rescisões mal feitas ou precipitadas gerem grandes prejuízos ou questionamentos jurídicos posteriores. Inaceitável é desperdiçar essa ocasião de combater a corrupção. Não se pode usar o argumento de que "o país vai parar" para consagrar a noção de que no Brasil há empresas "grandes demais para punir".

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